A influência de Douglas Adams na Cultura Pop

Dica do autor: este texto foi escrito ao som de “OK Computer”, do Radiohead. Se puder escutá-lo enquanto lê, pode ser uma experiência imersiva interessante ;)

"No início, o universo foi criado. Isso irritou profundamente muitas pessoas e, no geral, foi encarado como uma péssima ideia."

Não há forma melhor de abrir este celebrativo texto senão com esta bela citação de "O Guia do Mochileiro das Galáxias". Se fosse desafiado a resumir a obra de Douglas Adams em poucas palavras, elas seriam as escolhidas. E foram, afinal. O humor peculiar de Adams influenciou e segue influenciando algumas boas gerações de fãs de cultura pop, inclusive este que vos escreve (oi).

Sabe o humor do Choque de Cultura, Falha de Cobertura etc? Tem muito de Douglas Adams. Monty Python? Não só influenciou, como chegou a ser roteirista. Doctor Who? Também! E se hoje você sente orgulho de ser nerd, certamente deve isso ao legado de Adams. E por falar em legado, ainda que sua obra mais cultuada seja “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, Douglas Adams também é autor da saga protagonizada pelo detetive Dirk Gently, que teve até adaptação da Netflix.

Pois bem, hoje o Dia da Toalha é comemorado em todo o mundo. Uma data escolhida para homenagear Douglas Adams. Aderindo aos festejos, preparei uma lista com algumas personalidades ilustres influenciadas pelo escritor:

Monty Python

Aqui temos um caso de influência mútua. Douglas Adams cresceu influenciado pelo humor da trupe. Segundo ele, o que o Python fazia era pegar um aspecto do mundo que era aberrante e seguir a lógica dessa aberração para ver onde ela ia dar. E tem algo mais Douglas Adams que isso? Ele trabalhou como roteirista de "Monty Python's Flying Circus", além de ter uma relação próxima com os componentes do grupo.

Doctor Who

Mais uma via de mão dupla no universo das referências, o que acaba confundindo nossas cabeças tal qual a eterna dúvida a respeito do ovo e da galinha. Afinal, quem influenciou quem? É inegável que a versão contemporânea de Doctor Who tem muito de “O Guia do Mochileiro…”. Parte disso certamente se deve à relação próxima de Douglas Adams com o canal BBC, que produz e transmite Doctor Who. O Guia inclusive foi originalmente transmitido na BBC Radio 4, em 1978.

Adams chegou a trabalhar como editor de roteiros da série britânica, além de ter sido responsável diretamente por dois episódios, “The Pirate Planet” e “City of Death”. Ah, e não se espante de não ver seus nomes nos créditos: ele usou o pseudônimo David Agnew. A visão de Douglas Adams sobre Doctor Who deu origem a dois livros: “Shada” e “Cidade da Morte”.

Radiohead

É lindo quando a genialidade se encontra e aqui temos um desses casos raros. A banda de Thom Yorke, Jonny Greenwood e companhia é certamente um dos principais expoentes do rock, se reinventando constantemente durante seus mais de 20 e tantos anos de carreira. Um desses grandes momentos foi, sem dúvidas, o lançamento do álbum “OK Computer”, em 1997.

Com instrumentais densos, letras mais abstratas e, principalmente, se afastando do estilo dos discos anteriores, "OK Computer" é daquelas pequenas revoluções que acometem a longa e frutífera história da música. E, veja só, tem um quê de Douglas Adams nele! Ou melhor, vários…

As referências começam pelo título do álbum: “OK Computer” é uma extração literal do primeiro livro da trilogia de cinco volumes, pescada quando a banda escutava uma versão em áudio do livro de Adams durante uma turnê. Além de outras referências menos óbvias durante todo o disco, seu primeiro single foi a música “Paranoid Android”, sabidamente inspirada no icônico Marvin, o androide paranoide de “O Guia do Mochileiro das Galáxias”. A letra de Thom Yorke poderia tranquilamente ter saído dos circuitos do personagem de Douglas Adams.

Num misto de deboche e revolta contra os tabloides e especulações sobre a sua persona, Yorke disparou quando questionado sobre as inspirações da canção: "o título foi escolhido como uma piada. Foi tipo, ‘Oh, estou tão deprimido.’ E eu pensei, isso é ótimo. É assim que as pessoas gostariam que eu fosse. E essa é a única parte pessoal dessa música. O resto da música não é nada pessoal." Ainda segundo o frontman do Radiohead, a música é sobre "as pessoas mais aborrecidas da Terra" e "sobre caos". Muito Marvin!

A relação da música com os livros rendeu a camiseta Paranoid Android da Chico Rei, que traz um mashup triplo, incluindo também as clássicas capas dos VHS da Polaroid, lá do início da década de 90.

Para fechar o bloco Radiohead + Douglas Adams, uma fala do próprio Thom Yorke sobre “OK Computer”: “o álbum inteiro é geek pra caralho”.

Richard Dawkins

O nome Richard Dawkins por si só carrega um alerta de polêmica consigo. Pois bem: se você é sensível a críticas às mais diversas religiões, sugiro que pule para o próximo tópico...

Ainda por aqui? Então vamos nessas! Caso não esteja ligando o nome à pessoa, Richard Dawkins é um biólogo e escritor britânico, famoso pelos livros "O Gene Egoísta" (onde o autor cria o termo e o conceito de meme) e "Deus, um Delírio". Dawkins é conhecido por defender o ateísmo, o racionalismo e o secularismo, além de ser um crítico ferrenho da religião.

E é claro que uma obra como “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, carregada de críticas ácidas à sociedade como um todo, não abriria mão de alfinetar os dogmas religiosos, a existência de um Deus e tudo mais. Ah, cabe um comentário importante: Douglas Adams era um ateu radical.

Seu olhar crítico sobre a religião rendeu uma série de contatos no meio científico, entre eles o nosso ilustre Dawkins. A aproximação dos dois, que foram bem amigos, teve início de uma forma inusitada: Richard Dawkins enviou uma carta de fã para Douglas.

Seu principal livro, "Deus, um Delírio", foi dedicado ao amigo Douglas. E sua ex-esposa, a atriz Lalla Ward, de Doctor Who, foi apresentada pelo nosso homenageado da vez. Tá aí uma influência que foi além da obra ;)

Coldplay

Diferentemente do Radiohead, a influência de Douglas Adams na banda Coldplay não chegou a ser confirmada pelos músicos. Na verdade, quando foi questionado se o título da música “42” teria sido inspirado pelo “Guia do Mochileiro das Galáxias”, Chris Martin apenas respondeu que "é e não é". Evasivo, como é praxe no meio.

A verdade é que não só uma, como duas canções da banda carregam o Guia em seus títulos. A citação “Don’t Panic”, que é título de uma faixa do primeiro álbum dos britânicos, é quase um mantra entre os fãs dos livros de Adams. E é inegável que sua letra melancólica tem lá seus vislumbres de Marvin, ainda que o vocalista da banda já tenha dito que a música é inspirada num pé na bunda.

Enquanto Martin e sua turma vão negando as aparências e disfarçando as evidências, prefiro acreditar que sim, o Coldplay também bebericou na fonte dessa obra fantástica.

Mumford & Sons

Adoro Mumford & Sons, por isso não abri mão de colocá-los neste post. A influência da obra de Douglas Adams é menos literal por aqui, nunca foi confirmada pela banda (se é que já foram questionados sobre isso), mas vamos lá!

Segundo “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, 42 é a resposta para o significado da vida, do universo e tudo mais. Na obra, um computador inteligentíssimo era capaz de tirar qualquer dúvida. Ao se deparar com a questão existencial, o robô demorou milhares de anos para responder 42.

Corta para 2018, quando a banda liderada por Marcus Mumford lança seu quarto álbum de estúdio, "Delta". A faixa de abertura é "42", que conta com uma letra, veja só, carregada nos questionamentos existenciais, como nos versos de abertura da faixa:

Where do I turn to
When there's no choice to make?
And how do I presume
When there's so much at stake?

(Traduzindo: Para onde eu me volto quando não há escolha para se fazer? E como eu presumo quando há tanta coisa em jogo?)

Juntando A mais B, fico com a convicção de que Mumford & Sons também tem influências de Douglas Adams.

Mais influencias:

Deu pra perceber o tamanho da importância do legado de Douglas Adams, né? E tem mais! Olhares mais atentos podem encontrar o número 42 nos quatro cantos da cultura pop, desde "Procurando Nemo" (o endereço do dentista fica no número 42) até os clássicos números de Lost, passando por Marvel, Arquivo X, Star Trek, Dr. House, South Park… E Pink Floyd!

O disco “The Division Bell” foi batizado pelo próprio escritor, amigo íntimo de David Gilmour. Douglas Adams também tocava guitarra (não sabemos se bem ou mal) e já fez um som com essa, que é uma das maiores bandas da história, além de comumente fazer jams caseiras com Gilmour.

Pouca moral tinha o senhor Adams, hein?

Se você também é fã de cultura pop, o Guia do Mochileiro das Galáxias e muito mais, só na Chico Rei você encontra as camisetas mais bacanas! Clique aqui pra acessar ;)