Com M maiúsculo!
Já teve a experiência de se surpreender com a performance ao vivo de algum artista que parecia possuir uma poderosa energia capaz de transcender as fronteiras da música, provocando sensações sinestésicas e uma troca envolvendo intensamente o público? Sabe aquele show que deixa todo mundo de queixo caído? Daqueles que conseguem fazer um estádio inteiro vibrar numa mesma sintonia? Tudo bem, sei que estas perguntas podem parecer meio nonsense a princípio, mas fato é que existem alguns (poucos) casos em que isto acontece. É como se alguns músicos fossem como antenas capazes de captar e sentir a melodia de forma mais forte, canalizando, amplificando e retransmitindo este sentimento para a plateia como se deles emanasse uma nova aura.
Tive o privilégio de assistir a algumas apresentações que marcaram para sempre o modo como eu enxergava (e ouvia) música e após refletir um pouco sobre o assunto achei que devia compartilhar isso com vocês.
Quem gosta de Florence + The Machine, Ben Harper, Pearl Jam e R.E.M. sabe do que eu estou falando. Basta assistir, mesmo que seja em casa, alguns minutos dos shows destes artistas para começar a entender. É como se eles carregassem uma espécie de luz interior capaz de revigorar e transformar o astral de todas as pessoas. O nível de entrega é completo e o público se contagia sentindo-se revigorado. Para eles a música é uma entidade sagrada, com nome próprio e começa com M maiúsculo.
I Feel Alive
Se você já foi a algum show do Pearl Jam, provavelmente enfrentou horas na fila e esperou ansiosamente pelo momento de cantar o coro de Black (tchururu tchu tchururu) sendo regido pelo maestro Eddie Vedder. É de se esperar que após uma apresentação de quase três horas todo mundo se sinta exausto, não é mesmo? Mas, não. Muito pelo contrário. A sensação que predomina após o espetáculo é de puro revigoramento. A “barra de life” está completa e os pensamentos curados. Eddie Vedder certa vez disse que nos shows do Pearl Jam a troca de energia com o público é tão grande que se colocássemos as mãos em alguém com alguma doença é possível que se curaria, pois a música realmente possui frequências capazes de destruir células ruins e melhorar as boas. Eu brindo a isso!
Sim, é possível ter muita qualidade sonora e ser pop ao mesmo tempo. Prova disso é o trabalho da britânica Florence Welch, a frente do grupo Florence + The Machine.
Além de linda, colorida e exótica, a nova musa também é conhecida pelos figurinos inovadores e pela excelente originalidade de seus vídeos. Os álbuns desta artista fogem do óbvio em todos os momentos proporcionando uma audição requintada e dançante. E quando ela sobe ao palco, o trabalho toma proporções gigantescas. Nada de samples ou playbacks. Florence leva todo o aparato experimental (incluindo delicados instrumentos de orquestra) para os shows. A impressão que se tem ao assistir Florence ao vivo é de que esta mulher está possuída por alguma divindade, alguma fada ou alguma elfa. Mas na verdade somos nós é que estamos possuídos e seduzidos pelo seu charme e não percebemos. Ela promove uma verdadeira celebração mística da vida (quase um ritual xamânico-indígena), expulsando os demônios e trazendo uma misteriosa sensação de bem-estar. Sua música nos leva a uma viagem interior transcendental (sem drogas) colocando-nos em contato com nossas melhores qualidades. Além de todas estas sensações mágicas, sua perfeita afinação faz com que cada espetáculo seja inesquecível.
Dono de um vocal poderoso que carrega o peso sombrio de Mavis Staples e Johnny Cash misturado com a alegria de Stevie Wonder e Marvin Gaye, o americano Ben Harper carrega em sua genética artística todo um legado cultural transitando com muita facilidade entre o grave e o agudo, sem medo de arranhar a garganta para expressar a emoção necessária.
Seria impossível definir o estilo musical desta fera que, na minha opinião é um dos artistas mais completos e talentosos dos últimos tempos. Sua carreira está sendo construída solidamente. Um passo de cada vez. Ele passeia do rock ao reggae molhando os pés no blues e R&B sem perder suas referências de raiz, construindo (sem aspas), a legítima canção negra atual.
Assistir Ben Harper ao vivo é uma experiência impossível de se transmitir em palavras. A fidelidade com que as músicas são executadas nos shows trazem um respeito gigante pelo público que vibra com as canções. O artista se entrega de corpo e alma e ao cantar parece reviver as emoções contidas em cada letra, em cada nota. Ben possui aquela complexidade indecifrável de todo gênio que nunca parece se dar por satisfeito. É como se ele soubesse que ainda tem muito a fazer e por isso ele cria e recria sua principal inspiração no contato com os fãs. Trata-se de um trabalho espiritual expressado pelo ato de cantar que é tratado como uma espécie de alívio do cotidiano capaz de fazer qualquer um refletir, sorrir e dançar!
O único artista deste post que eu ainda não pude assistir ao vivo é Michael Stipe, do R.E.M. Lembro, com muito arrependimento, que em 2001 eles vieram ao Brasil para tocar ao lado de Beck e Foo Fighters numa noite que entrou para a história do Rock in Rio pelo astral e qualidade sonora. Tudo bem, acabei optando na época para ver Red Hot Chili Peppers e Silverchair e valeu o ingresso. Já em 2012, fui no show do Foo Fighters e paguei minha dívida com Dave Grohl. Mas ainda continuo órfão do extinto trio que acabei assistindo pela televisão.
Não consegui entender na época o motivo de me sentir tão bem com aquela banda. Afinal, nem era meu grupo preferido. Nem de longe. Mas fato é que virei fã depois desse show e descobri que eles estavam dominando multidões por onde passavam. Ufa, eu não era o único a sentir isso! O modo como a canção Losing My Religion colocou 200 mil pessoas para pular me deixou arrepiado. A sinceridade como Michael Stipe canta suas letras é impressionante. É quase como ele se promovesse um “culto” benzendo os fãs de R.E.M. com sua energia musical. A entrega foi imediata e eu (de casa) também me senti envolvido por essa energia e pelo alto astral do grupo. Naquela noite não consegui dormir e tudo que eu queria era sentir aquilo de novo. Acabei comprando todos os discos deles, assisti todos os clipes e celebro comigo mesmo toda vez que escuto Man on the Moon pela mágica que é gostar de música.