O mundo precisa de David Fincher

Alguns diretores deveriam ser obrigados a lançar um filme por ano. Em tempos em que vemos fórmulas sendo repetidas à exaustão, remakes desnecessários, continuações manjadas e a trinca “tiro, porrada e bomba” em três dimensões pra todo lado, saber que teremos garantidas algumas pepitas no meio do caminho seria um alento e tanto.

Como a vida não é moleza, precisamos conviver com hiatos infindáveis justamente dos melhores. Para ilustrar a máxima, Michael Bay dirigiu seis “pérolas” nos últimos 10 anos, enquanto o último filme de Christopher Nolan, The Dark Knight Rises, completou dois anos e seguimos contando. Puta mundo injusto, não é verdade? Brincadeiras à parte, é de se imaginar que bons filmes necessitem de tempo para sua realização, afinal, não estamos falando de receitas prontas. O barato da coisa é saber que eles somem, mas voltam um dia!

E para nossa alegria, quem deu as caras nas últimas semanas foi David Fincher. Garota Exemplar (Gone Girl), novo longa do cara, que é um dos meus diretores preferidos, estreou em terras tupiniquins no último dia 2 de outubro, enquanto se mantém imbatível no topo das bilheterias ao redor do mundo há algumas semanas.

Estrelado por Rosamund Pike e Ben Affleck, o filme foi baseado no best-seller homônimo de Gillian Flynn e caiu nas graças de público e crítica. Não era pra menos, afinal! Temos aqui um thriller de tirar o fôlego, no maior estilo Fincher, com grandes atuações (tanto da dupla de protagonistas quanto dos coadjuvantes, com destaque para Carrie Coon, da série The Leftovers), roteiro impecável adaptado pela própria autora do livro, reviravoltas que fazem o espectador trincar os dentes e a cereja do bolo: uma trilha sonora fantástica, mais uma vez assinada pelo frontman do Nine Inch Nails, Trent Reznor, e seu comparsa Atticus Ross. Ambos já haviam faturado o Oscar pela trilha de A Rede Social, também de Fincher, e vai ser muito difícil tirar o bicampeonato da dupla.

A trama, cheia de camadas, foca nos desdobramentos do desaparecimento de Amy Dunne (Pike) em seu aniversário de cinco anos de casamento com Nick (Affleck). Não vou me prender ao enredo do longa, uma vez que o mínimo deslize poderia comprometer a grande experiência que é assisti-lo despido de qualquer noção do que há de acontecer no desenrolar de seus 149 minutos. O que qualquer cinéfilo deve ter em mente é que trata-se de um filme que faz justiça à carreira de David Fincher, sem se intimidar ao lado de clássicos como Se7en, Clube da Luta, Zodíaco, O Curioso Caso de Benjamin Button e A Rede Social. É o diretor em sua essência, clamando por aplausos ao subir dos créditos.

Preciso como Se7en, o longa traz o cinismo de Clube da Luta e o potencial hipnotizador de A Rede Social. Esse suspense psicológico é a representação do que acontece quando um diretor excepcional encontra a matéria-prima que precisa para desenvolver um trabalho (muito) acima da média, sustentado por uma equipe de bastidores que dispensa comentários. Mais uma vez, o cineasta demonstra seu apreço pela decadência, por vezes implícita, do “american way of life” (e seu fascínio em retratá-la).

Ainda que seja um dos cineastas mais produtivos da atual geração (não posso deixar de citar a série House of Cards), quando trata-se de alguém com tamanha aptidão para a inventividade, a gente sempre acaba querendo um pouco mais. Porque hoje em dia, mais do que nunca, o mundo precisa de David Fincher.