King of Horror
A continuação de “O Iluminado” promete fazer os leitores se borrarem de medo.
Lembra daquele final catártico do livro que deixou muita gente sem sono na década de 70? Pois é, aquele menino sobrevivente do Hotel Overlook cresceu, ao lado da mãe desengonçada, atormentado pelos fantasmas do passado e está agora prestes a encarar uma aventura nada agradável na nova empreitada do mestre do terror, Stephen King.
Doctor Sleep (em português Doutor Sono) acaba de chegar às livrarias e mostra um resgate dos personagens de uma das mais famosas obras da literatura norte-americana. Se você desconhece este clássico, não leia o próximo parágrafo.
O Iluminado terminava com o chef Dick Halloran sobrevivendo à loucura de Jack Torrance e levando Wendy e Danny a um resort na Flórida (final original que não foi contemplado pelo diretor Stanley Kubrick no filme estrelado por Jack Nicholson). Apesar de ser um desfecho “otimista” para uma obra de suspense, o garoto Danny acabou levando consigo muitas cicatrizes de tudo que presenciou no hotel.
Na trama do novo livro, Danny Torrance tem agora 40 anos, mora em Nova York e trabalha em um hospital. Com seus poderes ele ajuda doentes terminais a “passar para o outro lado” em paz. Por isso o título “Doutor Sono”. Nesta nova fase da vida, o personagem terá que lutar contra um grupo de pessoas (vampiros) conhecidas como A Tribo, que sugam a energia de crianças especiais.
Stephen King disse que quer reencontrar a “velha boa forma” (Quando foi que ele perdeu? Eu não percebi) com este novo projeto. Segundo o autor, “a ideia de fazer uma continuação é sempre perigosa. As pessoas olham, acham que você está ficando sem ideias. Basicamente, a intenção é fazer todo mundo se borrar de medo. Vamos ver se eu ainda consigo fazer isso”. Bom. se formos nos basear pela genialidade da escrita e pela velocidade de produção do mestre King (800 páginas por ano), a prática leva sim à perfeição.
Ficou curioso? Então aqui vai um trecho do primeiro capítulo:
“No segundo dia de Dezembro do ano de 1977, um dos grandes hotéis resorts do Colorado queimou até o chão.
O Overlook foi declarado com perda total depois de uma investigação do marechal dos bombeiros. O corpo de bombeiros declarou que a causa tinha sido uma caldeira com defeito. O hotel foi fechado para o inverno, quando ocorreu o acidente, e apenas quatro pessoas estavam presentes. Três sobreviveram.
O zelador de inverno, Jack Torrance foi morto durante uma frustrada e heróica tentativa para soltar a pressão da caldeira de vapor, que havia chegado a um nível desastrosamente elevado, devido a uma válvula de alívio inoperante. Dois dos sobreviventes foram a esposa e filho do zelador. A terceira pessoa foi o chef do Overlook, Richard Halloran, que havia deixado seu emprego de temporada na Flórida e veio para verificar os Torrances por causa, do que ele chamou de “um palpite forte” que a família estava em apuros.
Os adultos sobreviventes escaparam muito feridos da explosão, somente a criança não se feriu – fisicamente, pelo menos.
Wendy Torrance e seu filho receberam uma quantia em dinheiro, cedida pela empresa proprietária do Overlook. Não era grande coisa, mas o suficiente para sustentá-los bem durante os três anos que ela ficaria sem trabalhar por causa de lesões nas costas. Ela consultou um advogado que lhe disse que se ela estivesse disposta a resistir e jogar duro, ela iria ganhar mais – talvez muito mais – porque a corporação estava ansiosa por evitar um processo judicial.
Mas ela, assim como a corporação, só queria deixar o inverno desastroso no Colorado para trás. Ela iria se recuperar, ela disse, e o fez, apesar dos seus ferimentos nas costas a terem atormentado até o fim de sua vida. Vértebras despedaçadas e costelas quebradas podem ser curadas, mas nunca param de doer.
Wendy e Daniel viveram em Maryland por um tempo e depois se mudaram para Tampa. Às vezes, Dick Halloran, aquele dos palpites poderosos, vinha de Key West para conversar com eles – para visitar o jovem Danny especialmente. Eles tinham uma certa ligação.
Em uma manhã, no início de março de 1981, Wendy ligou para Dick e perguntou se ele poderia vir. Danny, disse ela, havia acordado no meio da noite e disse-lhe para não entrar no banheiro. Depois disso, ele se recusou a falar qualquer coisa.
Ele acordou com vontade de fazer xixi e um vento forte soprava lá fora. Estava quente – na Flórida era quase sempre quente – mas ele não gostava do som e supunha que nunca iria gostar. Ele lembrava o Overlook, onde o defeito da caldeira tinha sido o mínimo dos perigos.
Ele e sua mãe moravam em um cortiço, em um pequeno apartamento no segundo andar. Danny saiu do quartinho, ao lado do de sua mãe e atravessou o corredor. O vento soprava, e as folhas de uma palmeira morta batiam ao lado do edifício. O som era esquelético.
Eles sempre deixavam a porta do banheiro aberta quando ninguém estava usando, porque a fechadura estava quebrada. Agora estava fechada – não porque sua mãe estava lá. Graças as lesões faciais sofridas no Overlook, ela agora roncava – um suave som de “rrreep, rrreep” – e ele podia ouvi-lo vindo do quarto.
Bem – ele pensou – ela fechou-a por acidente, é só isso.
Porém, ele agora entendia o que acontecia. Ele era um menino de palpites e intuições poderosas, mas às vezes você tinha que saber. Às vezes, você tinha que ver. Isso era algo que ele havia aprendido no Overlook, em um quarto no segundo andar.
Estendendo um braço que pareceu muito longo, muito elástico e sem osso, ele girou a maçaneta e abriu a porta.
A mulher do quarto 217 estava lá, como ele previu que estaria. Ela estava sentada nua na privada, com as pernas e coxas pálidas e inchadas. Seus seios pendiam como balões vazios. O cabelo abaixo do seu estômago era cinza. Seus olhos também eram cinzentos, como espelhos de aço.
Ela o viu e seus lábios se esticaram em um sorriso.
Feche os olhos – Dick Halloran disse uma vez – Se você vir alguma coisa ruim, feche os olhos e diga a si mesmo que não há nada ali e quando abri-los novamente, aquilo terá ido embora. Mas não havia funcionado no quarto 217 quando ele tinha cinco anos e não iria funcionar agora quando ele tinha oito. Ele sabia disso. Ele podia sentir o cheiro dela, ela estava apodrecendo.
A mulher – ele sabia o nome dela, era a Sra. Massey – levantou-se sobre os pés roxos estendendo as mãos para ele. A carne em seus braços pendiam, quase escorrendo. Ela estava sorrindo do jeito que se faz quando você vê um velho amigo, ou talvez, algo bom para comer.
Com uma expressão que poderia parecer calma, Danny fechou a porta suavemente e deu um passo para trás. Ele observou quando a maçaneta virou para a direita, esquerda, direita de novo e então parou. Ele tinha 8 anos agora e era capaz de, pelo menos, ter algum pensamento racional em meio ao horror – em parte porque em algum lugar profundo de sua mente, ele estava esperando por isso, embora pensasse que seria Horace Derwent que acabaria por aparecer, ou talvez o barman, que o pai havia chamado de Lloyd. Ele supôs que deveria saber que seria a Sra. Massey, mesmo antes de finalmente acontecer.
Porque, de todas as coisas mortas-vivas no Overlook, ela tinha sido a pior.”