Kleber Mendonça Filho: o Kleber Mendonça Filho brasileiro

Não é rara a nossa busca por referenciais gringos para chancelar a qualidade de um produto nacional. Como se simplesmente atestar o dote não fosse suficiente, é preciso envelopar e carimbar com o selo estrangeiro de predicado. Produto tipo exportação.

“Fulano é o Messi brasileiro…”

Precisa disso? Não dá pra falar que fulaninho é, sei lá, o Pelé… Brasileiro?!

Ainda que o debate sobre a gênese de tal constatação me seja bastante atrativo, abro mão de uma possível digressão nelsonrodriguesana, posto que não é esse o objetivo deste texto. Deixemos, pois, para outra oportunidade.

Celebrando o Mês do Cinema Nacional, o melhor uso deste espaço, e de sua estimada atenção, é exaltar o que é feito de audiovisual em terra brasilis. Mais especificamente de um nome que, de cara já aviso, sou muito fã: Kleber Mendonça Filho.

Era agosto de 2019 quando, em meados da estreia de "Bacurau", em que Kleber divide a direção com Juliano Dornelles, uma coluna de um dos jornais de maior circulação no país estampava a manchete: "Em 'Bacurau', Kleber vira um Tarantino do faroeste pernambucano".

À época também estreava nas telonas "Once Upon a Time... In Hollywood", do cineasta estadunidense, o que foi suficiente para inflamar os ânimos na celeuma que contrapunha os filmes e seus autores.

Enquanto o Twitter era tomado pelo embate entre #TeamBacurau e #TeamHollywood, o próprio diretor brasileiro lançou mão de sua conta na rede social para dar um basta na contenda, sem abrir mão da auto-referência a seu último longa:

Quase dois anos depois, mantenho a minha bandeira levantada: sou time Bacurau e não abro. Mas reitero: qual a necessidade dessa quase automática comparação com o cinema estrangeiro? Por que a busca por uma simetria com algo já feito lá fora, quando a produção nacional tem tanta, ou mais, qualidade que o cinema produzido lá fora?

O cineasta pernambucano é responsável pelos também geniais e únicos "O Som ao Redor" (2013) e "Aquarius" (2016), garantindo a Kleber uma assinatura própria que dispensa o clichê das comparações.

Na real, o filme de 2013 é uma aula de cinema, sobretudo na forma como utiliza o som a favor da narrativa, enquanto o longa de 2016 entrega uma crônica certeira sobre memória e a necessidade latente do “futuro” canibalizar passado e presente (algo que, de certa forma, pode ser visto também em “Bacurau”).

Já sobre esse afã de contrapor “aqui e lá”, vou parafrasear as palavras do próprio Kleber Mendonça Filho: tomar suco de caju e comer guisado não impossibilita ouvir “True”, da britânica Spandau Ballet. Existe uma beleza subestimada no ato de ter referências, sejam elas mais evidentes ou sutis. Penso que quanto mais heterogêneas, melhor fica o produto final.

Coisa boa é beber de fontes distintas mas, ainda assim, conseguir entregar um resultado cheio de originalidade, com vida própria, e sem a necessidade de bibliografia. Tarantino é mestre nisso! O cinema nacional também… Assim, dá pra gente ficar confortável com a ideia de Kleber Mendonça Filho ser, simplesmente, o Kleber Mendonça Filho brasileiro.

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Confira a Coleção Cinema Nacional na Chico Rei, em parceria com Telecine, Vitrine e Plural Filmes ;)