Um drama chamado adaptação cinematográfica de uma obra literária
História - em apenas um de seus múltiplos significados - pode ser definida como "narração de eventos fictícios ou não, ou de cunho popular e tradicional; estória."
Histórias ganham vida em diversas plataformas e a mais antiga delas de que se tem ciência talvez seja a parede de uma caverna. Muito antes de o ser humano se comunicar oralmente de forma eficiente, os famosos desenhos rupestres já ganhavam as paredes e contavam um pouco sobre as civilizações e comunidades existentes nessa época.
Anos depois, com a evolução, palavras encontraram páginas e os livros surgiram para preservar a memória e propagar o conhecimento. E claro que os seres criativos começaram a contar alguns casos fictícios e seremos eternamente gratos pelas bilhões de histórias às quais temos acesso hoje.
Pois bem! Tecnologia foi, tecnologia veio e trouxe o cinema, a internet e tudo o que há de bom. As histórias ganharam novos espaços, se democratizaram e ficou cada vez mais comum ver adaptações de livros em peças de teatro, filmes e séries. Inclusive, o primeiro livro adaptado para o cinema foi Trilby, do autor Gerald du Maurier lá no ano de 1896. Claro que de lá pra cá milhares de outras surgiram e vamos falar um pouco sobre esse universo polêmico.
Do papel para o telão
Adaptar não é copiar e nem descrever, tem a ver com ajuste e é aí que mora a mágica desse tipo de composição. É um trabalho tão complexo, que foi reconhecido em 1929 pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas como categoria do Oscar: a de melhor roteiro adaptado. Moral devidamente dada, premiada e aplaudida até hoje; especialmente porque uma parcela considerável das produções de cinema é composta por adaptações.
Mas por que o trabalho merece esse destaque todo? Poderíamos falar de dezenas de motivos, mas vamos nos ater a alguns que ilustram bem esse desenvolvimento.
É importante ressaltar, em primeiro lugar, que um livro e um filme têm recursos narrativos muito diferentes. A obra literária possui liberdade quase infinita na descrição de pessoas, situações e cenários, ela entrega para o leitor a responsabilidade de imaginar e interpretar aquilo que é descrito. Em um filme, o roteirista é o leitor que imaginou aquilo tudo em parceria com o diretor e ambos precisam ambientar tudo isso e mostrar ao espectador. O livro não nos entrega imagem e som, nós criamos isso em nossa cabeça. O filme é - inevitavelmente - a versão imaginada por alguém e transformada em audiovisual.
Conforme comentado no início desse tópico, adaptar - nesse caso - está mais relacionado ao conceito de ajustar e esse é o cerne de boa parte das polêmicas que envolvem adaptações cinematográficas. Transportar descrições, diálogos e cenários para uma nova mídia não é possível sem o olhar interpretativo de alguém. Independente da história a ser contada, se ela é realista ou totalmente fantasiosa, até a cor do vestido de alguém pode ser imaginada de forma diferente (afinal, os seres humanos não enxergam nem as cores de forma idêntica, né?).
Existem inúmeros desafios nesse universo adaptável, é praticamente impossível uma obra cinematográfica retratar com cem por cento de fidelidade a narrativa literária. Obras curtas, por exemplo são mais simples de retratar com riqueza de detalhes, contudo nem sempre possuem material suficiente para um projeto como esse. Já obras muito extensas acabam perdendo muitos detalhes na tela e os cortes costumam irritar fãs mais apaixonados. Nesses dois lados da moeda, fãs sempre criam embates. A maioria dos fãs (eu entre eles) valoriza de forma enfática a fidelidade à composição literária, mas há aqueles que curtem interpretações diferenciadas por parte do roteiro.
Dentro dessa discussão de adaptação, o livro “The Novel and the Cinema” aponta três formas possíveis de adaptação:
- Transposição: a versão cinematográfica tenta se aproximar ao máximo da versão literária em que se baseia, conta com pouca interferência dos produtores. Exemplo: a saga Harry Potter.
- Comentário: existem interferências e algumas modificações de acordo com o estilo do cineasta. Exemplo: Laranja Mecânica.
- Analogia: nesse caso o livro é apenas uma inspiração base e o filme é bem diferente, compartilhando apena a essência e alguns detalhes. Exemplo: Alice no País das Maravilhas (a versão de Tim Burton).
Tão bom quanto
Aproveitei para reunir 10 exemplos de filmes que - na minha humilde opinião - conseguiram fazer jus à seus livros de origem. Nessa análise não foquei tanto na fidelidade à narrativa em si, mas ao conjunto da obra e no resultado positivo.
O Poderoso Chefão (1972)
O Iluminado (1980)
Blade Runner (1982)
O Silêncio dos Inocentes (1991)
Clube da Luta (1999)
Trilogia O Senhor dos Anéis (2001-2003)
O Menino do Pijama Listrado (2008)
As Vantagens de Ser Invisível (2012)
A Invenção de Hugo Cabret (2012)
Extraordinário (2017)
Ler ou assistir?
Não existe resposta certa e nem melhor ou pior, são plataformas diferentes que servem de palco para histórias. Existem livros que jamais ficarão bons no cinema, assim como filmes que elevaram ao máximo o potencial das histórias das páginas.
A questão central pra não se decepcionar com uma ou outra versão é alinhar sua expectativa. Já procure saber o estilo dos produtores e do diretor, saiba que atingir a total fidelidade é impossível e vá com a mente aberta.
Tem muito (mas muito mesmo!) filme bacana que foi baseado em livro por aí, você acha uma seção completa na Netflix com essa temática! Então, se você é viciado em livros, é cinéfilo ou um pouco dos dois, saiba que nas condições normais de temperatura e pressão a paz entre página e telas não será alcançada. Mas seguiremos lendo, assistindo, curtindo e criticando, o que importa é o entretenimento.