Um Lugar Perigoso

Para quem gosta de literatura policial este é um prato cheio!

Luiz Alfredo Garcia-Roza consagra-se definitivamente como um dos autores mais prolíficos de uma geração tardia de escritores noir, ajudando a moldar e elevar a qualidade da produção literária nacional nos últimos 20 anos.

Conheci a obra desse mestre das letras através do meu pai – outro fã incondicional de romances policiais – e me lembro que na época eu era daqueles estudantes leitores que devoram mais de 40 títulos por ano sempre em busca de algo novo, sem preconceitos, filtros ou preferências literárias. De verdade! Eu lia tudo que aparecesse pela frente – de Sidney Sheldon a Machado de Assis – com a mesma empolgação e prazer. Já tinha um certo gosto pelas histórias policiais desde Agatha Christie, mas foi O Xangô de Baker Street (do Jô Soares) e Agosto (do Rubem Fonseca) que me levaram a querer entender ainda mais esta nova voz abrasileirada da literatura noir.

Por isso, quando em 1996 tomei contato com O Silêncio da Chuva – livro de estreia de Garcia-Roza na esfera pulp fiction tupiniquim – percebi que havia ali um novo nível de construção dos personagens de forma agradavelmente complexa e muito instigante. O ainda detetive *Espinosa *(promovido a delegado a partir do 2º livro) é um protagonista que se revela coadjuvante de forma curiosamente humana e palpável. Esqueça os heróis dos romances clássicos. Este personagem é um típico cidadão carioca (que come lasanha congelada e toma suco natural na esquina) com gostos e preferências normais, mas peculiarmente dotado de um caráter observador. Sim, essa é a sua principal qualidade. *Espinosa *consegue ultrapassar a linha – que a zona sul finge não enxergar – limítrofe entre o submundo marginal e a vida comum dos cartões postais do Rio de Janeiro.

O cenário não poderia ser mais real: Copacabana! Garcia-Roza foge de todos os clichês e estereótipos do gênero, sabendo que não há fórmula perfeita para contar uma história. Por isso, sua ficção é tão celebrada. Pois ela se aproxima muito da realidade do dia a dia. Depois deste vieram *Achados e perdidos (1998), Vento sudoeste (1999), Uma janela em Copacabana (2001) – o melhor na minha opinião -, Perseguido (2004), Espinosa sem saída (2006), Na multidão (2007), Céu de origamis (2009), Fantasma *(2012) e agora, em 2014 o mais recente Um Lugar Perigoso.

São muitos os lugares perigosos deste livro. O primeiro é o próprio Rio de Janeiro, onde a história se desenrola. Como de costume nos romances deste autor, a cidade é protagonista e sua geografia se torna parte indissociável da trama. Outro lugar de perigos insondáveis é a memória do professor Vicente, figura central do enredo. Nesta nova empreitada, Luiz Alfredo (profundo pesquisador da psique humana) traz para nosso deleite o que sabe fazer melhor: um quebra-cabeças disfarçado de mergulho interior na mente doentia de um idoso professor aposentado que se depara com uma lista de mulheres em seu apartamento. Quem são elas? Foram suas colegas na universidade? Alunas? Por que ele as reuniu numa lista e que relação manteve com elas? São questões que ele não tem como desvendar, pois sofre de uma síndrome em que as lembranças se apagam e a imaginação toma o lugar dos fatos.

Vicente busca a ajuda do delegado Espinosa para descobrir o paradeiro das mulheres listadas. Mas a investigação traz à tona os cantos obscuros de sua mente e pode revelar a origem de crimes que nada têm de imaginários.

É um livro para ler de uma só vez e a impressão que se tem é que, ao desvendar os crimes desta história, acabamos conhecendo melhor a nós mesmos. Garcia-Roza é daqueles autores para se ler a obra completa. Se você ainda não o conhece, então sugiro que experimente deixar Espinosa entrar na sua mente. Vale mais que uma sessão de terapia. 😉