Laerte-se! Um papo sobre identidade de gênero e arte com a cartunista Laerte

A cartunista Laerte é a convidada especial da Daspu na coleção oficial do filme “A Vida Invisível”, de Karim Aïnouz. Batemos um papo com Laerte sobre identidade de gênero e arte. Puxe uma cadeira e vem com a gente para essa conversa!

Chico Rei: Como foi usar como inspiração a capa da primeira aparição do Super Homem, de junho de 1938, para ilustrar essa mulher que rompe com o reflexo amedrontado e do que esperam dela ao jogar a penteadeira para o alto nessa ilustração criada para a Daspu/“A Vida Invisível”?

Laerte: Achei que tinha cabimento… Há uma ironia na referência, espero que dê pra perceber!

Chico Rei: Que enfrentamentos você teve ao assumir-se como trans e como o olhar que as pessoas direcionam a você mudou?

Laerte: Enfrentamento, mesmo, eu tive com as minhas próprias questões, o medo do ridículo, o medo da exposição… Para isso foi fundamental ter feito parte de um grupo de gente trans - na época, o BCC (Brazilian Crossdresser Club). Sentir-se parte de um movimento é decisivo.

As pessoas das minhas relações mais próximas, ainda que com graus variados de espanto ou questionamentos, foram muito acolhedoras - o que também é decisivo.

Chico Rei: Como assumir uma nova identidade de gênero influenciou sua arte?

Laerte: Em muito pouco, acho. Eu continuo sendo a mesma pessoa - só mais satisfeita. Mas minhas ideias, sentimentos e percepções não se transfiguraram. Meu trabalho já havia passado por mudanças bem radicais pouco tempo antes de ter começado a viver no feminino; de certo modo, tudo se completou.

Chico Rei: Estamos vivendo um momento de um retorno conservador em que a maldade é que tem “saído do armário”. Que articulações são fundamentais nesse momento para que conquistas não sejam perdidas no campo da luta LGBTQI+?

Laerte: É preciso compreender que a política, ao contrário do que as mídias procuraram retratar, é a atividade principal para defesa dos direitos da população, não só do campo LGBT+. O momento atual não pode ser descrito, a não ser de modo figurado, como um “império da maldade”; é resultado de anos e anos de uma cultura antipolítica.

A antipolítica, no Brasil, conquistou um espaço muito grande de poder. Isso se deu através da mídia, da vida institucional, das atividades cotidianas, em todo lugar. Fazer política envolve debate, desacertos e acertos, traçado de estratégias, alianças. Parece-me que vai ser um trabalho difícil e, talvez, bem longo.

Chico Rei: O filme de Karim conta a história de mulheres invisibilizadas no Brasil dos anos 50, mas muitas das violências do patriarcado ainda remetem aos dias de hoje. Quais são as principais diferenças existentes na luta das transgêneros e na das mulheres?

Laerte: Há mais semelhanças que diferenças, acho.