Há várias formas de se comunicar para além da expressão verbal. Um gesto, uma imagem e até mesmo o silêncio são formas legítimas de dizer tudo e nada. E dentre os diversos modos de dizer algo a alguém, encontramos as roupas.
Talvez você nunca tenha pensado filosoficamente a respeito da importância de uma vestimenta para a sua expressão identitária, no entanto, o não pensar não te exime do fato de que, todas as vezes que você se veste, você está comunicando uma insígnia de sua personalidade, quer queira, quer não.
Isso se deve ao fato de que as roupas, há muito, deixaram de ser apenas peças funcionais que visam nos proteger do clima e dos olhares tortuosos que a nudez de nossos corpos conquistaram ao decorrer da história da humanidade.
Atualmente, desconsiderar todo valor cultural e social de identificação concernente às roupas é um movimento um tanto quanto leviano. Afinal, em um mundo de corporeidades dietéticas, como poderíamos dizer que as nossas roupas são incapazes de definir ao menos uma parte de nós mesmos?
Ora, é inegável que a natureza humana também é um produto social e que sua expressão se dá por intermédio da justaposição de símbolos que se constroem naquilo que lhe transpassa e ostenta.
Nesse sentido, torna-se legítima a análise das roupas como uma forma de comunicar as particularidades de um indivíduo e suas similaridades que o fazem pertencer a um determinado grupo.
A moda comunica identidades múltiplas, mas também os pontos de intersecção de particularidades, unindo singularidades sob a padronização de tendências extemporâneas e sazonais – não é este mesmo o intuito da fast fashion, enquanto a slow fashion tende a expressar um movimento de independência a um processo de alta massividade fabril?
A ideia de diferenciação e individualização
O significado simbólico que podemos outorgar a uma roupa é resultado da relação harmônica ou conflituosa entre corpo e indumentária. Essa relação é capaz de replicar signos que desnudam processos culturais consolidados no universo da moda e, claro, delimitar os papéis sociais dos indivíduos de uma comunidade.
Segue-se, assim, que o corpo, enquanto um elemento material, é um comunicador identitário. E, como se não pudesse comunicar solitariamente, a nossa performance corporal diária é marcada pelos significados dos ornamentos que usamos no dia a dia.
Associado a uma peça de roupa, o corpo passa a ser produtor de sentidos, diferenciando e construindo um conjunto de papéis sociais. A indumentária disposta sobre um corpo ecoa uma identidade em uma forma discursiva condizente com uma estrutura social já cristalizada.
Assim, em uma relação dialógica, o sujeito utiliza-se das roupas conscientemente ou inconscientemente para ser e fazer parte delas e, no limite, transpassa os seus significados funcionais, criando condições de se dizer parte integrante do mundo, enquanto indivíduo.
E, enquanto indivíduo, está pronto para se fazer comunidade. Não à toa, muitos grupos sociais expressam sutilezas de comportamentos e condutas por meio da moda, imprimindo irrevogavelmente os seus próprios valores, como é o caso das tribos de punks, skatistas, hippies, skinheads, góticos etc.
O ponto nevrálgico é que a expressão de um grupo pode ou não ser assimilada por um indivíduo, acarretando, assim, na dissolução de sua individualidade em prol da coletividade.
No entanto, podemos ainda considerar que as tendências globais do mundo da moda, mesmo que aceitas por um indivíduo, não têm o poder de apagá-lo por inteiro, dado que a sua comunicação, ainda assim, é feita a partir de um corpo individual, mesmo que em meio a maior massificação e padronização do mercado.
Assim, as roupas que vestem cada individualidade ora podem ocultar, ora podem expressar um modo de ser e estar no mundo. Ora desvelam gostos e princípios, ora potencializam aqueles desejos mais ocultos e recalcados, em tons freudianos.
Seja para mentir ou desmentir, revelar ou ocultar, gritar ou silenciar, teatralizamos o tempo inteiro o que somos ou o que gostaríamos de ser por meio de um corpus simbólico indumentário.
Dessa forma, a moda constitui-se como ferramenta de construção de subjetividades, criando personas individuais ou coletivas, repletas de uma essência inexorável a qualquer e todo ser humano: uma Natureza de símbolos. Não seria essa a máxima da auto expressão?!
O que podemos comunicar com as roupas que usamos
Como já notamos, as roupas são signos de nossa autoexpressão. Antes que você possa se comunicar verbalmente, você é lido visualmente pela sociedade e, tão logo, reduzido ao que veste.
Quando notamos os processos de evolução do vestuário ao longo da história, percebemos que mais do que nos tornar aquecidos e/ou protegidos dos agentes internos, as roupas ainda são capazes de simbolizar um status social.
Nesse sentido, deixamos de outorgar às roupas uma função eminentemente prática para conceder funções diversas, ligadas a um movimento de autoexpressão orgânica. Usamos o nosso corpo e nossas roupas para dizer quem somos.
Assim, em um primeiro momento, a roupa que você veste diz o que você é, ou ao menos o que você quer que pensem que seja. Dessa forma, a possibilidade de escolher uma vestimenta nos concede a oportunidade de fazer de nosso corpo um solo fértil de atualização de variadas formas de ser.
Ora, podemos utilizar das indumentárias para performar nossos gostos, particularidades, condição social e identidade de gênero. Assim, as roupas tornam-se símbolos de autoafirmação de nossa própria imagem, mas também da construção de novas identidades.
Na linha fronteiriça do individual e do social, as roupas que te vestem podem sinalizar uma interação simbólica com diferentes grupos em diversas camadas sociais. Um uniforme, por exemplo, nos coloca mais próximos de determinadas camadas sociais e nos distancia de outras. E ao fazê-lo, as roupas comunicam um “nós”, que não deixa de se fazer pela multiplicidade de EUs.
As roupas que nos desnudam
Não se engane. Distintivas, as roupas te desnudam. Elas gritam verdades ou mentiras a respeito da sua classe social, faixa etária, gênero e singularidades e nesse movimento incessante, as roupas se tornam códigos a serem decifrados em uma linguagem que muitas vezes extrapola o verbal.
Vestir-se passa a ser um ato de comunicação que exige formas mais eficazes de se expressar. Assim como as nossas ações dizem muito sobre nós mesmos, as roupas também dizem. Elas comunicam às pessoas com as quais nos relacionamos, dia após dia, aspectos distintivos de nossa personalidade, muitas vezes, bem mais do que gostaríamos.
Se grande parte de nossa comunicação se dá de modo não verbal, as roupas que vestimos têm grande poder de expressar a nossa preocupação (ou despreocupação) com coisas muitas vezes básicas e elementares, como a nossa higiene, sendo propulsora até mesmo para a perda de grandes oportunidades.
Encontramos, assim, uma linha tênue entre o que queremos expressar e o que de fato expressamos e, feliz ou infelizmente, vestir-se não deve ser encarado como uma receita de bolo.
Ao considerarmos a comunicação das roupas como algo indelével e irrevogável, talvez, a única coisa que nos resta é sermos fiéis aos nossos propósitos estéticos e, como não, com os nossos próprios propósitos individuais. Nesse sentido, utilizamos as roupas como signos capazes de nos informar ao invés de nos usar.
Portanto, entre o dito e o não dito, fiquemos com o dito, afinal, não dizer não é uma escolha se tratando do universo da moda.
Chegamos ao fim de mais um post. Gostaram? Então, conte-nos aí nos comentários: quais caracteres de sua personalidade você busca autoexpressar com as roupas que usa?
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Até a próxima.