Chegou o dia, finalmente.
Pulou da cama sem nem ter adormecido. Insônia e ansiedade tomaram conta da noite e o que conseguiu foi no máximo um cochilo. Tomou um banho frio e um café da manhã apressado, pensando apenas no depois, para desespero dos adeptos do mindfulness.
Foram meses de espera. Não via a hora de encontrá-la e poder preencher todo aquele vazio que o assolava durante o isolamento. Chega de solidão!
Mesmo à distância, foi paixão à primeira vista. Pelas telas. E correspondida. Bom, pelo menos era assim que ele idealizava, com reciprocidade e boa resposta por parte dela. Tentava de tudo para controlar as expectativas, com medo de se desapontar. Mas sentia que sua vida mudaria quando a encontrasse.
As reuniões online do trabalho e as redes o ajudaram a manter as habilidades sociais em níveis aceitáveis naquele período. Mas será que ainda sabia se arrumar para um encontro? O que vestiria? Por conta do calor e tendo como base o demandoso trabalho de pesquisa - stalking - que teve com a dita cuja, optou por uma camiseta. Seria melhor assim.
Pomada no cabelo, perfume no pescoço e no pulso; carteira, chaves e celular nos bolsos; máscara, indesejada mas ainda necessária, na cara. Foi.
No caminho, mil sonhos, visões e planos.
“Pensa melhor, não faz besteira!”
“Tenho medo de como você vai ficar depois desse encontro.”
“Não ouvi falar bem dela não, bicho…”
“Tem tantas outras aí que vão aparecer, por que logo essa?”
“Tá muito fácil pra ser verdade...”
Não dava a mínima para os conselhos que ouvia dos amigos. Quer dizer, nos últimos tempos tinha descoberto que estavam mais para “amigos”, daqueles que a gente mantém os laços sem ter motivos para tal.
Adentrou o estabelecimento, levantou a cabeça e deu uma conferida em volta, procurando. O olhar rapidamente pescou: ela também já estava ali. Tinha uma quedinha por orientais. E ela tinha ascendência chinesa.
- Oi! Prazer!
- Bom dia, moço! Fica tranquilo, tá?
Suspendeu a manga da camiseta. E foi aí que a enfermeira inseriu a agulha em seu braço. 1, 2, 3 segundos. E tirou. Fez questão de contar e viver o momento. Os adeptos do mindfulness ficariam orgulhosos!
A vontade era a de comemorar gritando, como um gol; de abraçar a enfermeira e a pessoa de trás na fila; de arrancar a máscara e sair correndo e pulando; de parar no primeiro boteco, encher a cara e cantar no karaokê que havia voltado, como Roberto Carlos em O Portão ou como Milton em O Que Foi Feito Devera.
Mas ainda tinha a segunda dose.
Tudo o que pôde fazer foi chorar copiosamente, muito emocionado. Não, nada de lágrimas de crocodilo. Talvez de jacaré.
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Ilustrações: @pedrocos.design