Conversamos com Carol Duarte, a atriz que vive Eurídice, no filme “A Vida Invisível”, do diretor Karim Aïnouz. A produção foi a vencedora da mostra Um Certo Olhar, no Festival de Cannes, em 2019. O filme também foi escolhido para representar o Brasil na disputa por uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Internacional em 2020, mas ficou de fora da pré-lista da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.
Carol Duarte faz o papel da irmã mais nova desse “melodrama tropical” e sofre vários silenciamentos ao longo da história em função de uma sociedade desenhada por e para homens. A revista norte-americana The Hollywood Reporter incluiu as atuações de Carol e Julia Stockler em “A Vida Invisível”, entre as 25 melhores do ano de 2019, ao lado de nomes como Scarlett Johansson, Joaquin Phoenix e Brad Pitt. Confira esse papo!
Chico Rei: Eurídice vai emudecendo ao longo da trama à medida que não pode fazer o que deseja: é atropelada pelas gestações, pela sociedade patriarcal e por tudo que sempre esperam dela. A história se passa na década de 50, mas essa violência muda ainda está presente hoje. Como você acha que a história do filme dialoga com os dias atuais?
Carol: Sim, o filme trata da década de 50, mas fala sobre hoje. É claro que precisamos ressaltar que as mulheres da década de 50 e as que vieram antes conquistaram muitas coisas que hoje desfrutamos, mas o machismo e o sistema patriarcal ainda estrangulam a vida de muitas mulheres. E homens, também, à medida que essa estrutura põe sobre eles uma pressão e expectativa que eles não conseguem cumprir. No entanto, a mulher é sempre o objeto de violência e imposição, tanto a Eurídice quanto a Guida sofrem no corpo e também na sua subjetividade, uma castração
Chico Rei: O piano funciona como voz da Eurídice?
Carol: Sim. O piano é a forma que a Eurídice encontrou de se expressar no mundo.
Chico Rei: Como foi construir uma personagem que, com o correr dos anos, passa a ser vivida pela Fernanda Montenegro?
Carol: Foi uma experiência incrível compartilhar a Eurídice com a Fernanda Montenegro. Eu realmente não acreditei quando vi o filme pela primeira vez, ela é uma das maiores artistas que o Brasil já teve e nada é à toa: ela é muito dedicada, estudiosa e muito generosa. Foi uma honra imensa.
Chico Rei: O grande vilão do filme é o patriarcado. Como é fazer a composição de personagem quando essa estrutura de vilão não se concentra necessariamente em uma figura? Vocês fizeram alguns exercícios sensoriais de preparação do elenco. Como isso funcionou?
Carol: Partir da perspectiva de que o vilão é uma estrutura de poder faz com que derrubemos todos os maniqueísmos vazios. Nos obrigamos a olhar a sociedade para descobrirmos onde está o podre e para onde ele nos leva. Somos sujeitos sociais. É preciso olhar para as personagens e construí-las sempre em relação, nós somos frutos do meio, influenciados pelo tempo e o espaço. Eu tenho a impressão que quanto mais nos aprofundamos no tempo e no espaço específico, mais estaremos expandindo para a universalidade. A Nina Kopko, que foi a diretora assistente e também preparadora, fez muitos exercícios. Desde memórias, ou seja, criar um passado, criar a história daquela personagem até exercícios físicos também. No ensaio usávamos espartilho, salto alto, até entendermos o corpo delas. Hoje nós não precisamos usar espartilho, temos outros corpos, outro jeito de andar e na medida em que pesquisamos sobre tudo isso, chegamos nas personagens, essa composição é sempre coletiva.