A coleção oficial do filme A Vida Invisível, de Karim Aïnouz, é coisa nossa. Em parceria com a Daspu, chamamos um time estrelado de ilustradoras que tem a Laerte como convidada especial para estampar as camisetas da coleção. Batemos um papo com a diretora produtora da Daspu, Elaine Bortolanza, sobre o trabalho realizado pela grife Daspu e pela ONG Davida.
Chico Rei: Como funciona o trabalho realizado pela Daspu? A grife ampara o trabalho realizado pela ONG Davida? Qual é a atuação da Davida?
Elaine: Daspu é um dos projetos da ONG Davida, que hoje atua mais como um coletivo, tem vários outros projetos. O trabalho da Daspu é usar a passarela da moda como uma potência de resistência, ou seja, poder falar do estigma da PUTA, que atinge principalmente as prostitutas, mas também todas as mulheres que fogem às normas sexuais e de gênero. A roupa é uma linguagem e o vestir-se de puta é, até hoje, um estigma presente na sociedade que, no fim das contas tem a ver com o enfrentamento às violências decorrentes do machismo, da misoginia e da heteronormatividade que ainda impõe seus modelos de relações, modos de se vestir, como andar...
Eu diria que a Daspu é uma das sustentações da Davida hoje, no que diz respeito ao modo como desconstruímos os pré-conceitos relacionados às prostitutas, ao mundo da prostituição e tudo que ele envolve. Financeiramente, infelizmente, não conseguimos atingir essa sustentabilidade. Davida não é um projeto assistencial, não atende as prostitutas, são elas que estão à frente de trabalhos e ações junto com pesquisadores, ativistas e outros atores sociais. Claro que com a morte de Gabriela isso mudou, outros projetos foram criados em parceria com universidades e outras organizações de prostitutas.
Chico Rei: Com a morte de Gabriela Leite, em 2013, como a Daspu se reinventou?
Elaine: Gabriela sempre foi uma militante que enxergava à frente. Antes dela morrer, foi criando e ocupando outros espaços de luta, como a moda, o teatro… Ela sacou que, se as prostitutas não ocupassem outros espaços além do trabalho com prevenção das DST e HIV/Aids, elas não conseguiriam transformar as percepções e os discursos sobre a prostituição e as mulheres que trabalham com sexo. Isso fez com que a Daspu, desde a sua criação, tivesse essa relação de fazer política ocupando espaços artístico-culturais, para fazer a pessoa passar pela experiência, não apenas falar sobre. Antes dela partir, falei pra ela que eu não deixaria isso morrer, e que esse modo de fazer política usando a passarela, esse signo máximo do capitalismo, que dita padrões de beleza, comportamento, discursos, modos de vestir, falar, se relacionar, seria cada vez mais ocupado pela Daspu. E temos feito isso, embora ainda não tenhamos conseguido criar um projeto de sustentabilidade, fazer com que a marca possa de fato sustentar nossas ações.
Chico Rei: Quais são os principais desafios enfrentados pela Daspu hoje? E como a volta de um discurso conservador aumenta os enfrentamentos e a necessidade da organização atuar?
Elaine: Acho que o desafio maior é esse da sustentabilidade, ocupar o mercado da moda e estar ali junto com outras marcas que adotam o discurso da diversidade, mas que na prática não respeitam nem modelos que desfilam suas coleções.
Eu não diria a volta de um discurso conservador, acho que esse conservadorismo já existia, o que vemos hoje é que ele foi colocado pra fora e tem mostrado como ainda temos questões com o sexo, com o prazer e, obviamente, naquilo que diz respeito às mulheres e seus desejos. Isso é combustível para a Daspu, quanto mais nos deparamos com esses preconceitos, mais fortemente atuamos.
Chico Rei: Qual a importância de formar parcerias de luta? E como o diálogo com o filme “A Vida Invisível” se relaciona com as batalhas da Daspu?
Elaine: Outro ponto que Gabriela sempre priorizou foram as parcerias de luta. Com a Daspu, isso é imprescindível, ela já nasce e atrai essas parcerias. Continuamos usando o verbo “transar” como Gabi usava, transamos com todo mundo (claro, todo mundo que está junto nessa batalha), essa é a ideia da puta parada. Com o filme “A Vida Invisível”, acho que a transa maior é dar visibilidade ao desejo e à história das mulheres, como isso ainda é silenciado, como esse desejo de liberdade das mulheres ainda é criminalizado, invisibilizado, aniquilado... Os filmes do Karim Aïnouz sempre trouxeram esse tema. “Céu de Suely” e “Madame Satã” de uma forma mais explícita, mas isso aparece também no “Abismo Prateado”. Sonhamos e desejamos muito juntar nossa puta batalha com o cinema, e o Karim está na nossa mira.
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