Pobreza menstrual se refere à falta de acesso a produtos de higiene e outros recursos necessários ao período. É uma situação bastante comum entre mulheres em situação de vulnerabilidade social. Rafaella de Bona Gonçalves, estudante de Design de Produto na Universidade Federal do Paraná, tem 22 anos e criou um absorvente interno pensando nas moradoras de rua: o Maria. O projeto foi desenvolvido em junho do ano passado, como trabalho de conclusão do curso de especialização em Design - Soluções de Impacto para o Futuro. Rafa elegeu o primeiro objetivo de desenvolvimento sustentável da ONU para criar o absorvente: o combate à pobreza em todas as suas formas. Feito de fibra de banana, o projeto foi premiado na Alemanha, no "iF Design Talent Award”, em 2019. Batemos um papo com a Rafa para saber tudinho do Maria.
Qual é a razão para ter escolhido a fibra de banana para desenvolver o Maria? Qual é a vantagem ambiental dessa escolha?
Rafa: Em um extremo, onde não se tem uma estrutura básica, nem sequer um banheiro, as mulheres em situação de rua se viram para conseguir passar pelo período menstrual todo mês. Os absorventes reutilizáveis, como os feitos de tecido ou as calcinhas absorventes e até mesmo coletores de plásticos, tenderiam a não atender à realidade delas, que muitas vezes não têm acesso à água limpa, a um banheiro e até a um descarte apropriado do sangue, no caso do coletor.
Como o absorvente não pode ser reutilizável, mas existe a preocupação dele ser sustentável, o material escolhido para ser utilizado foi a fibra de banana. Esse material é biodegradável, poderá ser descartado com menor impacto ambiental que os usados atualmente. Esta alternativa de material foi encontrada por já estar sendo utilizada para fabricação de absorventes na Índia, país que tem alto índice de pobreza menstrual, como forma de baratear o custo do produto.
Já existe um protótipo do Maria? Ele vem em um rolo, certo? Qual é o custo desse rolo e ele pode ser usado em quantos ciclos menstruais?
Rafa: Ainda não, a previsão do primeiro protótipo é o final deste ano. O projeto foi pensado para ser produzido em um rolo, que poderia ser usado em até três ciclos menstruais. Porém, após mais conversas e pesquisas com as mulheres em situação de rua, observou-se que é um problema possuir algum pertence, o dia a dia nas ruas torna isso muito difícil, eles acabam se perdendo ou sendo roubados.
Este ano o meu projeto de conclusão de curso da faculdade de Design será o Maria e seu modelo de negócio. Há o interesse de parcerias com ONGs, instituições sociais e com o governo. Porém, tenho pensado em uma proposta diferente para a fabricação do produto, que ainda está sendo estudada. Alguns ajustes serão feitos agora e um deles vai ser o estudo de como será feita essa distribuição, que provavelmente terá que ser diária, e como ela impacta no projeto do produto.
Como você acha que cientistas e criadoras mulheres podem ter um olhar diferente para as questões do feminino?
Rafa: Criei o Maria ao me deparar com a pobreza menstrual, problema que as mulheres em situação de rua passam. Encontrei a questão quando estava estudando sobre as pessoas em situação de rua em geral. Acredito fortemente que apenas por ser mulher eu consegui identificar esse problema, que é pouco abordado ou desconhecido por muitos.
Como estudante de Design de Produto, você enxerga muitas outras possibilidades de criação voltadas ao público feminino? Pode contar pra gente se já está trabalhando em algo novo?
Rafa: Com certeza! Estou, junto com a designer Rafaella Peres, trabalhando em embalagens para cafés produzidos por mulheres do Norte Pioneiro do Paraná. A embalagem e a marca vêm com o propósito de dar protagonismo às produtoras, que muitas vezes se tornam “invisíveis” no meio.
Por fim, o espaço é seu, pode usá-lo para fazer um convite para que meninas e mulheres ocupem espaços e façam acontecer.
Rafa: É muito importante haver mulheres em projetos sociais e sustentáveis, pois acredito que temos uma visão diferente dessas situações. Ainda mais no campo de design e inovação, que cada vez toma mais espaço no mercado e no desenvolvimento de novos produtos. Temos que acreditar que conseguimos, o que não pode faltar é a coragem de arriscar. Juntas conseguimos chegar onde quisermos!