Alguns meses atrás, uma thread tomou conta do Twitter ao expor uma rixa renascentista entre Michelangelo e Leonardo Da Vinci. De repente, a rede social foi tomada por uma série de conteúdos incríveis expondo detalhes... Foi tipo o portal Ego do século XV. Daí convidamos a Ari Noert (@arinoert), responsável por todo aquele conteúdo maravilhoso, pra falar um pouco mais pra gente.
E como por aqui tudo é alimento pra criatividade, lançamos uma coleção inspirada na contenda renascentista. Confira a Coleção Michelangelo x Da Vinci clicando aqui.
Agora, fique com essa aula de história da arte por Ari Noert:
Michelangelo
Michelangelo Buonarotti (1475-1564) foi um escultor, pintor, arquiteto e poeta do Renascimento italiano. Ao lado dos também Renaissancers Leonardo Da Vinci (1452-1519) e Rafael Sanzio (1483-1520), ele é um dos grandes nomes desse período, além de claro, ter se tornado uma tartaruga ninja junto com eles, alguns séculos depois.
É difícil escapar da genialidade de Michelangelo, suas obras estão entre as mais famosas da história da humanidade: a escultura de cinco metros de altura do herói bíblico “Davi” (1501-04), a “Pietà” (1498) e toda sua simbologia tocante, a Capela Sistina no Vaticano com um complexo conjunto de afrescos, onde um sempre se destacou mais que tudo, e virou uma das obras de arte mais admiradas e copiadas de todos os tempos: “A Criação de Adão” (1512).
Considerado por muitos o maior artista de seu tempo (e até de todos os tempos), ele era conhecido como “O Divino”, e até hoje o mito de que ele teria nascido com um “dom” e que era um gênio extraordinário está entre nós. Porém, longe disso: na realidade, como a maioria dos artistas, foram anos de prática, trabalho duro e muito sofrimento que fizeram o homem criar tudo que tornaria ele uma lenda.
E assim como é difícil escapar da genialidade de Michelangelo, era difícil escapar DELE também: com uma lista de desafetos maior que estátua do Davi, Michelangelo se desentendeu com artistas, escritores, Papas e qualquer outro que deu azar de cruzar seu caminho. Tinha um nariz eternamente torto, quebrado em uma briga de socos com outro pintor. Tinha um ódio profundo por Leonardo Da Vinci, que se tornou seu maior rival, e sérios problemas com Rafael Sanzio, o que até culminou em dedo na tela e gritaria: é possível que eles tenham saído no tapa, quando Michelangelo soube que o corajoso Rafael entrou na Capela Sistina na sua ausência, para fuçar o que ele estava fazendo por lá (Michelangelo trancava a Capela quando estava ausente e não deixava ninguém ver o andamento de seu processo criativo lá dentro).
Movido por rivalidades, muito ódio e uma disciplina impressionante, Michelangelo viveu 88 anos, e só parou de trabalhar uma semana antes de seu falecimento. Como toda personalidade histórica, muitas frases erradas foram atribuídas a ele, mas uma delas, ainda que falsa, define muito o artista: “Ancora Imparo”, que significa: “Eu ainda estou aprendendo”.
Leonardo
Leonardo di Ser Piero, da província de Vinci, que acabou conhecido como Leonardo Da Vinci mesmo (1452-1519), foi o homem mais multiuso de todos os tempos. Ele tinha conhecimentos nas áreas de: pintura, desenho, escultura, ciência, música, arquitetura, literatura, astronomia, engenharia etc; e além disso, arrumava tempo para inventar umas coisinhas e fazer piadas ruins (bem ruins).
Mesmo com tantos conhecimentos e habilidades, Leonardo acabou mais conhecido na história por um pequeno retrato (apenas 77cm x 53 cm) que ele enrolou muitos anos para fazer: a “Monalisa” (1503). Outras obras conhecidas de Leo são “A Última Ceia” (1495-98), que é eternamente replicada e provavelmente sua avó tem uma cópia, e o mais que famoso desenho “Homem Vitruviano” (1490).
Da Vinci é também o santo padroeiro de todos os procrastinadores: ele não conseguia terminar nada. Nunca. Enrolava, deixava sem fazer, ou jogava pro estagiário (no caso aqui, os pupilos do seu ateliê).
Existem bem poucas pinturas de Leo em comparação a outros artistas do mesmo período, mas sobram desenhos, anotações e esboços de invenções: até um protótipo do que poderia ser um helicóptero ele fez.
E nas suas anotações, Leonardo sempre incluía uma to do list do que queria fazer todos os dias. E as atividades eram variadas: descobrir como funcionava a língua de um pica-pau, perguntar para o mestre em hidráulica como as coisas funcionavam em Florença, entender porque os peixes eram rápidos... e muito mais.
Considerado um pitelzão da Renascença por ser bonito demais, ele agradava todo mundo com sua simpatia, adorava se vestir sempre de rosa, tocava lira e falava mal de Michelangelo sempre que tinha uma oportunidade.
Leonardo morreu com 67 anos, na França, e virou uma das personalidades mais conhecidas da história, pela sua genialidade ou simplesmente pelo retrato com sorrisinho enigmático da Monalisa.
Michelangelo x Leonardo: Rinha de pintor Renascentista
Michelangelo Buonarotti (1475-1564) e Leonardo da Vinci (1452-1519) viveram exatamente no mesmo lugar e no mesmo período, o Renascimento italiano. Eles poderiam ter sido grandes amigos, mas não foi bem assim: se odiavam! E esse ódio terminou em baixaria, dedo na tela e gritaria.
Eles se conheceram pessoalmente em Florença, quando Da Vinci já tinha 51 anos e Michelangelo, 28. A fama de Da Vinci nessa época já era imensa, não só por sua genialidade, mas também porque ele cobrava muito caro, não terminava nada e já tinha sido preso na cidade uma vez.
Já o jovem Michelangelo tinha feito a famosa escultura "Pietà" (1498), em Roma, e ela foi um hit no coração do pessoal. Já chamavam ele de “O Divino”. Bom, nem todos: Leonardo não estava nada feliz com essa situação.
Não ficou para a história quando exatamente os dois começaram a se estranhar, mas existem relatos: Leonardo, que tinha um ateliê de pintura, ficava lá fofocando com todo mundo sobre Michelangelo, dizendo o quanto o ateliê do escultor era sujo e feio e o quanto ELE próprio era assim também: Porcolângelo era conhecido por não tomar banho e dormir com a mesma roupa que usou para trabalhar o dia inteiro (e as vezes nem tirava as botas).
Leo, que era todo bonitão e elegante, tentava ficar o mais limpo que dava para um europeu ficar naquela época, também falava sobre como a pintura era superior à escultura (que era justamente o forte do Michelangelo) e que bem, se você fosse pintar, não era para deixar as pessoas parecidas com um “saco de nozes” (também fazendo referência aos homens-nus-bombados-saiu-da-jaula-o-monstro que o Michelangelo pintava).
Existe também um manuscrito anônimo que conta uma história registrando o primeiro round da briga dos dois: eles se encontraram em uma praça de Florença, onde Leo estava com alguns amigos discutindo sobre Dante, o poeta, um tema que Michelangelo era conhecido por gostar muito. Leonardo o chamou:
- Michelangelo! Venha cá, estamos falando de Dante, fale um pouco dele para nós!
Entendendo como absoluta provocação do rival, Michelangelo responde:
- Fale tu pra eles do seu cavalo de Sforza!
(O cavalo de Sforza era um monumento de 15 metros que Leonardo levou 12 anos para projetar, quando vivia em Milão, e que foi destruído na frente dele quando a cidade foi invadida. Sentiu? Sentiu.)
O ravióli de climão que pairava entre os dois grandes artistas não passou despercebido pelas autoridades de Florença, e eles lançaram uma competição oficial para a criação de um afresco no Palazzo Vecchio, no centro administrativo da cidade. E o que eles criaram com isso foi uma rinha de pintor renascentista entre os já exaltados Leonardo e Michelangelo.
A ideia era decorar um dos salões do Palazzo com afrescos sobre as poucas batalhas que Florença tinha vencido em sua história. Mas para isso, Leo e Mich teriam que trabalhar no mesmo espaço, um fuçando a arte do outro.
Mesmo com o pagamento já feito aos dois artistas, eles nunca completaram os afrescos, porque Leonardo chutou os pincéis depois de muitas tentativas, em parte porque ele não aguentava mais o rival, e Michelangelo fugiu, bravíssimo, pra Roma.
Em outro momento, Leonardo também tentou atrapalhar o Davi de Michelangelo, a famosa escultura de cinco metros que os administradores de Florença não sabiam onde colocar. Eles formaram um conselho com uns notáveis da cidade, e Leonardo, entre eles, começou a implicar com “as partes” expostas da escultura: dizia que as crianças não poderiam ver aquilo! (Logo ele que, desenhava nus masculinos sempre) e ele queria que a escultura de Michelangelo ficasse escondida.
Nesse segundo round da rinha, empataram: Davi foi colocado num lugar exposto, porém... colocaram uma folhinha para tampar “as partes” que tanto incomodaram o Leo. E assim ficou, por 50 anos, para o completo desespero do agora muito bravo Pinschelangelo.
Essas são as partes conhecidas da briga entre os dois grandes mestres do Renascimento, mas com certeza aconteceu muito mais. A rivalidade entre artistas foi uma das coisas que mais impulsionou as artes nesse período, e Michelangelo foi o grande vencedor da imensa maioria delas. Não deu pra você, Da Vinci.
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Sobre Ari Noert (segue lá nas redes - @arinoert): Sou artista, vivo em São Paulo e atualmente estou pós-graduando em História da Arte. Por paixão, mas também porque prefiro apreciar as artes dos outros do que as minhas. Sempre pesquisei muito sobre Arte, especialmente o Renascimento italiano, até chegar num ponto em que só falava disso e ninguém me aguentava mais. Comecei a falar de forma mais descontraída e adicionando fofocas sobre os artistas pra chamar atenção... E funcionou: meus amigos voltaram a me aguentar por mais de cinco minutos! Acabei testando isso no Twitter também, e ficou maior do que eu esperava, com um efeito muito positivo (e às vezes negativo, mas não dá pra agradar todo mundo, certo?) e desde então eu tento falar de Arte com um humor exagerado e umas fofocas que ficaram esquecidas na história, pra chamar atenção das pessoas e mostrar um pouco do tão necessário - e tão ignorado atualmente - mundo das artes.