Por que adoramos as notícias inventadas? E qual é a verdadeira história por trás da “estória” contada?
O novo livro de Umberto Eco mostra que não são as notícias que fazem um jornal, e sim o jornal que faz as notícias. Confira nossa resenha:
Recentemente tenho visto tanta gente “instruída” falando e compartilhando besteiras em grupos de whatsapp que pensei: Será que estamos nos acostumando a perder o senso de vergonha? Pois o senso crítico já se foi há muito tempo… Mas na boa? Mais chato que uma pessoa engajada é o falso-moralista, aquele que, sem pensar, levanta a bandeira do ódio com conhecimento superficial e envenena sua conduta criando inimizades por aí.
Mas vamos ao que interessa: na língua alemã existe uma palavra, “schadenfreude”, que significa satisfação pessoal com a infelicidade alheia. E não há lugar melhor para propagar este sentimento do que a mídia. Afinal, não há nada que venda mais do que um bom escândalo, não é mesmo? E neste cenário, as redes sociais funcionam como verdadeiras câmaras de eco deste barulho incomodamente prazeroso. É exatamente aí que entra a trama do novo best-seller de Umberto Eco que recria, por meio da sátira e da ironia, um ambiente fictício de uma redação italiana numa agência de notícias facilmente reconhecível em qualquer país.
A história é narrada pelo personagem Colonna, um ghost-writer sem nenhuma perspectiva profissional, que é convidado a integrar uma esdrúxula equipe editorial, composta por Maia, uma jovem redatora de fofocas que trabalhava para um tabloide sensacionalista; Braggadócio, um repórter inescrupuloso que adora teorias da conspiração; e o editor chefe Simei, um antigo e paranóico professor universitário com vasto vocabulário e nenhum culhão. A missão do jornal é muito clara: chantagear, difamar e prestar serviços duvidosos a seu contratante.
No entanto há uma particularidade a respeito do jornal entitulado “***O Amanhã” ***: Ele não está destinado a circular. A proposta é produzir apenas o “número zero” (famoso modelo de edição-teste que só roda internamente nas redações dos jornais para revisão de seus colaboradores) para fazer com que as pessoas ameaçadas pelas reportagens se sintam compelidas a pagar (em dinheiro ou em influência política) para que a publicação jamais venha à luz. Não se trata de contar mentiras, mas de distorcer a realidade através da linguagem (escolha das palavras) relatando apenas verdades.
Sugestivamente, Número Zero é um romance sobre a morte do “Amanhã”. É um retrato desesperançado da mídia contemporânea, uma entidade moralmente falida. Mas não é somente uma crítica aos vícios do jornalismo sensacionalista e manipulador. Neste livro, o mestre do romance histórico aponta o dedo para os vícios que cultivamos dentro de nós mesmos, e que permitiram chegarmos a esse ponto. Em tempos de crise, percebemos que os verdadeiros podres da sociedade estão ganhando tamanho de dentro pra fora. E que a realidade pode ser mais fictícia do que a imaginação.
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