A história da ciência é repleta de mulheres cientistas e pesquisadoras que, embora deixem o seu legado, ainda assim são pouco conhecidas. Mas, hoje, temos a oportunidade de contar a história por uma outra perspectiva, ao menos a partir de um viés mais inclusivo.
Uma perspectiva que faz jus (ao menos em partes) a nomes de mulheres que não só contribuíram para a nossa acepção científica atual, mas também para a nossa compreensão mais diversificada do mundo. No entanto, para chegarmos ao presente é preciso que nos voltemos ao passado.
A verdade é que o primeiro registro que temos de uma mulher na ciência é de 2.700 a. C., quando a médica egípcia Merit-Ptah despendia os seus esforços em cuidados médicos e terapêuticos ao faraó da vez.
Aliás, nas civilizações antigas, as mulheres médicas eram comuns. Há no ideário cultural grego antigo a lenda de Agnodice, por exemplo, uma cidadã ateniense que se vestia com trajes tidos masculinos para conseguir assistir às aulas de anatomia, tornando-se um “médico” bastante “procurado”.
Instigando a inveja em seus parceiros de profissão devido a seus ótimos serviços prestados, Agnodice foi acusada de crimes de corrupção moral, sendo inocentada quando um grupo de mulheres decididas a defenderam, o que levou a tradição grega a autorizar a participação das mulheres na vida médica.
Gostou? Esse é só o gostinho do que está por vir neste post. Aliás, chicotes, considere esse post como uma pequena reparação histórica, porque hoje exaltaremos grandes nomes de mulheres na ciência antiga e atual e, claro, os seus maiores feitos. Vem com a gente!
Hipátia de Alexandria
No início da epistemologia grega, a filosofia, a matemática, a física e a astronomia estavam interligadas, aparentando até mesmo áreas do conhecimento inseparáveis. Aliás, o cientista nada mais era do que o filósofo que especulava os fundamentos do universo, a famosa Arché (a resposta do universo e tudo mais, que hoje sabemos que é 42).
Enquanto grandes nomes masculinos se sobressaíram e ficaram na história, como Tales de Mileto, Parmênides, Platão e Aristóteles, uma mulher de grande inteligência passou por vezes despercebida, ao menos nas cadeiras atuais dos cursos de filosofia e demais áreas do conhecimento. Seu nome era Hipátia de Alexandria.
Hipátia pode ser considerada um grande exemplo de mulher na ciência, porque os próprios fatos não nos deixam mentir. A pensadora grega era altamente respeitada em sua região, conforme os registros que nos sobraram sobre sua vida.
Sabe-se que a pesquisadora escreveu várias obras importantes na área da matemática, tais como em álgebra e geometria, além de ter sido uma grande mente criadora, afinal, inventou o astrolábio. Sabemos ainda que muito possivelmente Hipátia disseminava o seu conhecimento para muitos discípulos.
O que ganhou grande repercussão na história da humanidade foi a morte violenta da cientista, que, em meio uma rivalidade entre cristãos e pagãos, acabou sendo morta, esquartejada e queimada pelos servos do bispo Cirilo. Logo em seguida, a pesquisadora foi tida como uma feiticeira e acusada de servir outras deidades, embora só fosse incrível mesmo.
Hildegarda de Bingen
Quando passamos para a Idade Média devemos considerar que grande parte da produção de conhecimento restringia-se à vida monástica. Por isso, somos levados à genialidade e mente brilhante da monja beneditina, mas também (senta que são muitos títulos): escritora, poeta, teóloga, doutora da igreja, médica, botânica, filósofa, naturalista, professora e dramaturga.
Bingen chegou a publicar o Livro das propriedades - ou sutilezas - das várias criaturas da natureza, obra que está subdividida em física e causa e cura. O ponto é que não há registros históricos sobre as origens da aquisição desses conhecimentos, mas especula-se que ela era autodidata.
Embora as monjas superiores cuidassem da saúde das monjas subordinadas, a formação universitária em medicina era restrita apenas a homens. De qualquer forma, pelo conteúdo de seu escrito, Bingen certamente teve acesso a obras medicinais de Hipócrates e Galeno e possivelmente tenha praticado em enfermos no mosteiro.
O que de fato nos importa é saber que seus estudos e conhecimento eram igualmente respeitados, fazendo da monja uma figura de alto poder e representatividade, sobretudo em uma sociedade e cultura patriarcal. Seus ideais servem de base para as terapias holísticas atuais.
Émilie du Châtelet
Durante a Revolução Científica do século XIX, uma figura feminina de grande destaque na ciência da época foi Gabrielle Émilie Le Tonnelier de Breteuil. A física e matemática foi um grande expoente nos estudos científicos da época, sendo capaz de antecipar estudos sobre a natureza da luz.
Uma de suas maiores obras no campo da ciência foi um compilado de ideias arrojadas embasadas em grandes pesquisadores da época. Versada em filosofia, não mediu esforços na hora de assimilar as teorias do filósofo alemão Gottfried Leibniz em seu arsenal de conhecimento.
Além disso, a marquesa de Châtelet-Laumont ainda auxiliou na produção de uma das primeiras enciclopédias e foi tradutora e comentarista da obra de Isaac Newton e a primeira mulher a publicar um artigo pela academia francesa de ciências em 1738. No português claro: GÊNIA!
Elizabeth Garrett Anderson
Damos destaque à primeira cirugiã moderna do Reino Unido, além de fundar o primeiro hospital britânico a ser dirigido por mulheres. E como se não bastasse os grandes feitos, Anderson foi nada mais nada menos que a primeiríssima mulher a se graduar em medicina em solo francês, tá bom pra você?
Mas claro que os seus louros não poderiam vir sem grandes sacrifícios e sofrimentos, considerando que o seu crescimento profissional gerou muita revolta nos homens da sua classe, mas não o suficiente para estagná-la. Todo seu grande conhecimento não poderia deixar de gerar consequências políticas, afinal, a cientista foi uma grande líder sufragista que lutou veemente pelo direito das mulheres ao voto.
Marie Curie
A primeira mulher a ser laureada com um Nobel de física e química foi Marie Curie, sendo até hoje a primeira pessoa a receber dois Nobel em áreas diferentes por ter descoberto dois elementos químicos, o rádio e o polônio, além de desenvolver aparelhos portáteis de raio X digitais para atender pacientes durante a 1ª Guerra Mundial.
Curie foi, ainda, a primeira mulher a vir a ser professora em uma das mais antigas universidades: a Universidade de Paris. Mas calma que os feitos dessa mulher incrível não acabam por aqui. A começar pelo fato de a pesquisadora polonesa ter desenvolvido nada mais nada menos do que a teoria da radiotividade, termo inclusive cunhado por ela mesma.
Aliás, os estudos sobre neoplasias com isótopos radioativos foram iniciados pela pesquisadora que fundou ainda um instituto médico em Paris que leva o seu próprio nome:
o Instituto Curie.
Grandes cientistas da atualidade: entrevista com Meninas e Mulheres na Ciência
Melhor do que honrar apenas uma cientista é honrar um grupo de cientistas mulheres de nosso Brasil, não acha? Em março de 2018 nasceu o “Meninas e Mulheres na Ciência” pelas mãos de Fernanda Furtado, graduada em Geologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
O projeto tem como objetivo incentivar meninas a se interessarem por Ciência, fomentar o debate sobre a desigualdade de gênero no setor e discutir formas de reverter esse quadro.
Anualmente, o grupo realiza a Semana de Meninas e Mulheres na Ciência. De forma contínua, promove, ao longo do ano, visitações em escolas com roda de conversa levando profissionais mulheres de diversas áreas.
Batemos um papo com as principais lideranças do Meninas e Mulheres na Ciência para entender o trabalho realizado pelo grupo e você confere a conversa aqui. Antes de tudo, que tal uma apresentação das mulheres que têm contribuído para o desenvolvimento científico de nosso país?!
Fernanda Campos Furtado
Fundadora do projeto e geóloga formada pela UERJ com sanduíche pela California State University. Trabalha na área de petróleo e gás desde 2016, e atualmente está na França fazendo mestrado em Geociências do Petróleo no Instituto Francês do Petróleo (IFP) patrocinada pela empresa norueguesa Equinor. O IFP é a quinta maior universidade de petróleo e gás do mundo.
Gabriela Elias
Graduanda em Química pela UFRJ, aluna de Iniciação Científica na FIOCRUZ em Farmanguinhos e desenvolve pesquisa sobre Síntese Orgânica de Fármacos e Bioativos para doenças negligenciadas. Já trabalhou com tuberculose e atualmente faz parte de em um projeto de moléculas voltado para leishmaniose.
Natália Righetto Valente
Mestranda em Engenharia Mecânica, técnica em edificações, co-fundadora do grupo de pesquisa em automação e robótica pela Universidade Veiga de Almeida, faz parte do grupo de pesquisa de medicina integrada à engenharia e é monitora no curso de medicina com simulação em manequins de alta fidelidade.
Rachel Rodrigues Lopes
Estagiária na equipe de Sísmica na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis e ex-monitora de Paleontologia.
Que grupo sensacional, não acha? Bem, sem mais delongas, fique agora com a nossa entrevista na íntegra com essas grandes mulheres.
- Qual é a importância de um movimento como esse para que mais meninas enxerguem a importância/necessidade e viabilidade de fazer ciência?
Meninas e Mulheres na Ciência: sempre gostamos de destacar que o maior objetivo do nosso projeto é fazer com que meninas saibam que elas podem ser o que quiserem. Se depois de nossos eventos poucas quiserem fazer ciência, tudo bem, mas se elas saírem de lá acreditando em si mesmas, nossa missão será cumprida.
Nós queremos apresentar o exemplo de mulheres inspiradoras, pois mulheres cientistas também merecem e precisam de visibilidade. Precisamos mudar a visão do que é ser um cientista. Queremos colocar os holofotes nessas mulheres incríveis que são escondidas pela história.
Por fim, queremos mostrar que ciência é interessante e fundamental para a sociedade, não é só aquela fórmula no quadro, por isso fazemos oficinas de ciências com experimentos práticos para incentivá-las a gostarem de ciências.
- Qual é a proporção entre homens e mulheres fazendo ciência no Brasil hoje?
Apesar de sermos maioria no ensino superior no Brasil, isso não é bem distribuído. Nos bacharelados em ciências, mulheres são cerca de 40% (o que engloba muitas carreiras) e nas engenharias, menos de 30%. Esse quadro se afunila ainda mais quando falamos de mestrados e doutorados. Além disso, somos maioria nas desistências nessas áreas também. No final, dos empregados no setor, somos apenas 17%.
- Que cientistas mulheres inspiram o grupo?
Existem muitas e algumas delas já tivemos a oportunidade de conhecer pessoalmente e participaram de nossas atividades. Mas vou citar duas que amamos: Sônia Guimarães, física e primeira mulher negra do ITA, e Sylvia dos Anjos, uma das primeiras geólogas da Petrobras que hoje gerencia projetos do pré-sal.
- Qual é a importância das mulheres na Ciência para encontrarem soluções e alternativas para problemas/questões que são femininas?
Os cientistas só podem resolver os problemas que eles enxergam e encontrar soluções em lugares que fazem parte de suas realidades. Por isso, a diversidade na ciência é fundamental, pois sem diferentes olhares para diferentes problemas não existe inovação, não existe ciência acessível.
- Quais são as principais dificuldades que as mulheres cientistas encontram no Brasil hoje?
O Brasil é um país machista, então podemos apontar o preconceito como principal dificuldade e a raiz de muitas questões. Mas aqui o buraco é mais embaixo em vários aspectos.
As mulheres já são minoria nessas áreas científicas, então quando existem cortes na ciência, algo que anda sendo constante no Brasil, somos muito afetadas. Muitas cientistas estão perdendo bolsas de pesquisas, ou saindo do país por falta de oportunidade e de valorização aqui.
Na maioria dos países desenvolvidos, a educação e ciência são prioridades até em tempos de crise, pois país nenhum cresce eliminando tais investimentos. Todo cientista sabe disso e nesse setor o clima de desesperança está imperando.
Além disso, cientistas são cobradas a produzir em todas as fases da vida como se não possuíssem uma vida pessoal também, então a maternidade, que é um processo normal da vida de muitas mulheres, se torna um fardo para a mulher cientista em nosso país.
- Que retorno bacana por parte de meninas e mulheres vocês já tiveram com o trabalho do grupo?
O maior retorno que recebemos é o das meninas que saem encantadas nos nossos eventos. Muitas chegam dizendo não gostar de ciências e mudam de ideia rapidamente quando participam das nossas oficinas e assistem a uma mulher cientista falando. Ver o brilho nos olhos delas durante nossas atividades é o maior retorno que podemos ter.
É isso, chicotes, deu para dar aquele quentinho no coração com o post de hoje? Esperamos que ao menos tenhamos mostrado um pouco das grandes mulheres que fizeram história na ciência. Quer conhecer mais delas? Que tal começar por aí, olhando ao redor, talvez a grande cientista de amanhã esteja aí pertinho, do seu lado.
Até mais!