Algumas pessoas acreditam que não somos nós (leitores) quem escolhemos os livros e sim o contrário. Eles ficam de tocaia nas prateleiras esperando para dar o bote e seduzir a presa mais especial. Considerando que isto seja verdade, acho que fui um baita sortudo ao ser hipnotizado pela obra do escritor espanhol Carlos Ruiz Zafón.
Poucos autores são capazes extrapolar as fronteiras das estantes e nos transportar a um mundo completamente novo. Estou falando daqueles gênios que conseguem encantar o leitor já nas primeiras linhas, fazendo com que mergulhemos de cabeça em suas narrativas, descrevendo cidades reais ou imaginárias com tanta propriedade a ponto de sentirmos como se já tivéssemos visitado estes lugares antes.
Esta construção imagética é uma técnica literária que, através da linguagem e da exploração dos sentidos humanos, adiciona uma infinita profundidade à compreensão do leitor, proporcionando uma imersão completa na ambientação física e emocional da trama. É possível visualizar cada esquina, cada porta, cada brisa de frio… As situações de suspense e ação pelas quais os personagens se vêem envolvidos nos livros deste autor são tão inacreditáveis e tensas que o leitor chega a prender a respiração, ter claustrofobia pelos personagens, sentir o cheiro de cada lugar, a luz do ambiente, o barulho ensurdecedor de determinados momentos e o silêncio aterrorizante em outros. É como se fossemos um personagem observador (um fantasma espectador dentro da história) que nada pode fazer para mudar as situações narradas e tampouco consegue se desvencilhar da narrativa.
Considero Zafón como o novo cânone das letras dos últimos dez anos. Uma grande descoberta literária que ainda promete imortalizar muitas páginas. Ele tem o dom de narrar qualquer história sem exageros ou clichês numa velocidade de cinema, unindo vários elementos que fazem de sua obra algo memorável: suspense, mistério, romance, drama, ação… Mesclando palavras com a riqueza poética de Jorge Luís Borges, com a complexidade de Victor Hugo, com a sagacidade noir de Edgar Allan Poe e com a profundidade semiótica de Umberto Eco. Em outras palavras, o cara é um maestro das letras.
Devo ressaltar que o fato de ser um best-seller não significa que seja ruim, muito pelo contrário. Afinal de contas, conseguir fazer livros sem apelo polêmico serem aclamados pela massa é um mérito editorial louvável. Destaque para a tetralogia O Cemitério dos Livros Esquecidos que começa com A Sombra do Vento, seguido por O Jogo do Anjo e O Prisioneiro do Céu respectivamente, todos já lançados no Brasil e à espera do quarto título previsto para 2015. Segundo o próprio autor, esta saga pode ser lida em qualquer ordem pois trata-se de “um labirinto com quatro portas de entrada e um único destino”. É uma história atemporal e intensa que nos enche de uma beleza sublime e de profunda esperança no ser humano.
Este local, carinhosamente batizado de O Cemitério dos Livros Esquecidos, fica no coração de Barcelona e possui uma atmosfera mítica, quase proibida, como se fosse situado fora do tempo, onde segredos deste e de outro mundo se escondem em corredores intermináveis, forrados de livros do chão ao teto. O cenário fundamental desta narrativa é uma Espanha devastada pela Guerra Civil e ameaçada pela Segunda Guerra Mundial. Por isso, temos uma história repleta de jogos políticos, batalhas por poder, discriminação social e autoritarismo militar.
Agora mais interessante ainda é a tentativa insana de inserir fatos sobrenaturais numa narrativa histórica. Confesso que gosto muito de livros de terror (sou fã do Stephen King) mas para mim sempre houve uma barreira entre o que é puramente fictício e o que é real. Em outras palavras, quando leio um romance histórico, geralmente aproveito os dados de tempo e espaço para situar o enredo em determinado período e, consequentemente, ambientar os personagens e cenários através das descrições.
E é aí que entra o nosso amigo espanhol quebrando esta barreira e rompendo as fronteiras entre realidade e imaginação. O segredo está na forma como Zafón expõe os fatos fantásticos de forma a nos convencer que são realmente possíveis de acontecer. O sobrenatural não está lá apenas por estar, nem tampouco para causar medo ou assustar. Ele está lá porque tem um motivo, uma razão de existir, porque é carregado de emoção, sentimento, melancolia e reflexão. É uma forma maravilhosa de nos fazer repensar nossas convicções acerca do ser humano, de seu caráter, seu passado e sua conduta.
Ufa! Se você chegou até aqui é porque realmente gosta de ler. Então vamos falar agora sobre os personagens que dão vida a estas histórias. Daniel Sempere e Fermin Romero de Torres são duas figuras apaixonantes até mesmo em seus piores momentos. Cada um deles é diferente e especial à sua maneira.
O primeiro é um jovem adolescente que trabalha na livraria de sua família, negócio que já dura mais de três gerações, e possui o último exemplar de um livro cujas cópias foram todas perdidas misteriosamente. Daniel fascina-se sobre o autor e, ao buscar mais informações, descobre que alguém andou queimando todos os exemplares remanescentes. Então começa uma grande aventura que percorre as ruas da ilustre cidade de Barcelona, atravessando as fronteiras do tempo e da imaginação com um toque de romance, mistério e aventura.
Já o nosso segundo personagem, mas não menos importante, é um senhor-mendigo extremamente eloquente que passou por poucas e boas na vida e carrega consigo uma divertida sabedoria e jogo de cintura. Ele certamente é um dos personagens mais interessantes já criados. Chamá-lo simplesmente de “malandro” transmitiria uma ideia errônea desta figuraça que possui um sentimento de lealdade incrível a Daniel. Ele está mais para uma espécie de Sancho Pança por opção e hilário por natureza.
Os personagens de Zafón não vivem apenas naquelas páginas, naquele intervalo de tempo que o livro se passa: todos eles têm um passado, uma complicada e elaborada história de vida, um futuro pelo qual torcemos. Você sente que aqueles personagens existiam antes do livro e continuarão existindo. E nós somos meros espectadores de uma incrível fase de suas vidas. A verdade é que os maiores escritores revelam sua própria essência por meio de seus personagens.
O Cemitério dos Livros Esquecidos é um verdadeiro tributo aos amantes da literatura. Afinal de contas, como não se apaixonar por um livro que fala essencialmente de livros? Um livro em homenagem a vida por detrás das palavras de uma história? Não é isso pelo qual somos todos apaixonados?
Além desta fantástica tetralogia, o autor também é responsável por outra saga, um projeto infanto-juvenil (quem dera eu tivesse lido estes livros quando era criança), mas isso é assunto para um próximo post.
Boas leituras! Ah, e se você curte camisetas de Literatura, confere nossa coleção!