Em parceria com o Meninas e Mulheres na Ciência, buscamos pesquisadores que estão na luta contra a pandemia. Hoje vamos contar a história de um casal de doutores que se conheceu no Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro durante a graduação, em 2012, moram juntos desde 2018 e, entre as muitas coisas que compartilham, dividem a paixão pela ciência e a crença de que “a pesquisa brasileira ainda vai fazer o nosso país ascender”. Gabriela Coelho Brêda e Marcus Vinícius de Mattos Silva bateram um papo (virtual) com a gente sobre o trabalho voluntário que estão realizando na UFRJ para a produção de álcool 70 glicerinado - líquido e em gel - e álcool isopropílico para doação à rede de hospitais públicos da UFRJ.
Gabriela é graduada em Ciências Biológicas - Modalidade Genética, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e, atualmente, faz pós-doutorado em um projeto de uma empresa chinesa do ramo petroquímico no Instituto de Química da UFRJ. Ela estuda biotecnologia, com foco na biologia molecular para obtenção de produtos de interesse industrial. Durante o isolamento social, as atividades experimentais do projeto estão suspensas e a equipe está trabalhando “com o que é possível adiantar de casa, como revisão bibliográfica e escrita de relatórios e artigos.”
Marcus é graduado em Química com Atribuições Tecnológicas também pela UFRJ e fez doutorado em Ciências no BOSS Group. Em 2016, ele foi contemplado com uma bolsa para estudar com o grupo do professor Uwe Bornscheuer, um dos principais nomes de biologia molecular e biocatálise no mundo, e morou na cidade de Greifswald (Alemanha) durante um ano. Em agosto de 2019, defendeu o doutorado, mas teve que lidar com “as oportunidades de vagas e bolsas no Brasil que foram muito limitadas, fazendo com que ficasse sem receber durante mais de 6 meses.” Marcus acabou de receber uma proposta, em andamento, para implementação de uma bolsa no projeto de desenvolvimento de kits diagnósticos para o coronavírus.
Você pode saber mais sobre o percurso acadêmico de Gabi e Marcus na plataforma Lattes. Confira agora o papo com esse casal de pesquisadores que fortalece a luta contra o coronavírus no Brasil.
Hoje vocês trabalham voluntariamente para produzir álcool 70 líquido e álcool em gel em grande escala. Quanto vocês produzem por dia? Quão diferente essa função é do trabalho de pesquisa que realizavam anteriormente?
Gabi e Marcus: Este projeto de produção de álcool 70, bem como de outros insumos para o combate ao coronavírus, é um dos muitos que estão sendo realizados na UFRJ. O projeto do qual fazemos parte como voluntários é coordenado pelo Instituto de Química para a produção de álcool 70 glicerinado, líquido e em gel, e álcool isopropílico para doação à rede de hospitais públicos da UFRJ.
A produção neste projeto é variável, sendo dependente das doações de insumos para o preparo, como álcool 96 ou anidro e frascos para envase. Porém, possuímos uma estrutura para uma produção aproximada de 200 litros por hora para o álcool líquido e de 100 litros por dia para o álcool em gel. Os voluntários se revezam em uma escala para trabalhar ao menos 3 dias na semana, dependendo dos insumos obtidos.
Este trabalho voluntário se baseia em princípios químicos aprendidos durante nossa graduação/especialização, como de preparo de soluções, medida de densidade e análise por cromatografia. No entanto, este trabalho é realizado em larga escala, sendo necessário também força física para carregar os insumos no tanque de mistura, por exemplo. Por isso, são escalados voluntários suficientes para realizar cada uma das atividades necessárias, sem que ocorra aglomeração no laboratório. Além disso, os voluntários fazem uso de equipamento de proteção individual (EPI), para proteção dos vapores tóxicos e também do contágio do vírus.
Qual é a motivação para trabalhar voluntariamente numa pandemia?
Além disso, vivemos em uma casa sem pessoas dentro do grupo de risco e temos o conforto de transporte privado, fornecido pela família, facilitando o deslocamento até o local de produção, sem riscos de contágio. Estes têm sido alguns dos fatores para selecionar os voluntários.
Vivemos um tempo de desvalorização da ciência, do ensino público e da pesquisa no Brasil, vocês consideram que o coronavírus traz essa clareza para a população sobre a importância de valorizar a ciência? Vocês têm alguma esperança de que politicamente poderá haver mudanças na forma com que a ciência vai ser tratada depois da pandemia?
Gabi e Marcus: Nós concordamos que o momento atual coloca a ciência em destaque. Porém, a população brasileira em geral ainda resiste em dar o devido crédito aos cientistas. Isto é evidenciado pelas pessoas que não estão realizando o isolamento recomendado pela OMS, que se baseia em estudos científicos, como de infectologia. Além da aceitação de remédios sem que fosse recomendado pelos cientistas e a OMS o seu uso no tratamento da doença. A realização de aglomerações não recomendadas, como em passeatas, também evidencia este cenário.
Acreditamos que, no cenário atual, poucos políticos defendem a pauta da pesquisa e desenvolvimento no Brasil, realizada em sua maioria por instituições públicas. Sendo assim, as mudanças só ocorrerão quando o governo e a população valorizarem a ciência. O ponto positivo é que houve um destaque para informações a respeito do vírus e do combate ao mesmo pelos cientistas. Esta exposição diária na grande mídia pode levar o governo e a população a refletir sobre o assunto e a valorizar mais a pesquisa brasileira.
Para concluir, é importante dizer que a estrutura que temos para fazer ciência no Brasil ainda é muito precária quando comparada com o resto do mundo. E, ainda assim, o Brasil se destaca internacionalmente em diversas áreas de estudo, mostrando a elevada capacidade dos cientistas brasileiros e o potencial que este país possui nesta área. Historicamente, os países que ascenderam e são hoje potências mundiais, como Estados Unidos e Alemanha, investiram massivamente em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias.
Pra finalizar, Gabi e Marcus deixaram um recado super bacana!
Gostaríamos de agradecer a todos os profissionais que estão na linha frente, desde os médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, até aqueles que dão suporte ao funcionamento dos hospitais e clínicas que vêm recebendo os infectados pelo vírus.
Aos governantes, deixamos um apelo: que PRIORIZEM A VIDA DOS BRASILEIROS, tanto com o suporte ao isolamento e recomendações da OMS, quanto com os auxílios econômicos que serão necessários aos mais carentes, autônomos e microempresários. Neste momento é ainda mais inviável que se permaneçam os auxílios de luxo a políticos, grandes empresários e juízes em detrimento dos auxílios financeiros para a população.
Para a população em geral: que respeitem o isolamento social, que entendam que proteger ao próximo também é se proteger. E que continuem cobrando os políticos por AÇÕES IMEDIATAS para que este isolamento seja viável para toda a população.