Loja

A pesquisadora Juliana Estradioto tem direito a um asteroide para chamar de seu!


• 6 mins de leitura
A pesquisadora Juliana Estradioto tem direito a um asteroide para chamar de seu!

Juliana Estradioto tem 19 anos e já coleciona mais de 50 prêmios e menções honrosas em eventos científicos no Brasil e no exterior. Em uma dessas premiações, a gaúcha de Osório, recém-formada no Ensino Médio pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Educação do Rio Grande do Sul, ganhou o direito de batizar um asteroide como reconhecimento pela pesquisa sobre a utilização da casca de noz de macadâmia para produzir uma membrana biodegradável. Já o primeiro lugar na categoria Gerenciamento de Meio Ambiente, na Mostratec, garantiu que ela fosse para a Suécia acompanhar a cerimônia de entrega do Prêmio Nobel, em 2019. Ju acaba de ingressar na Faculdade de Engenharia de Materiais, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e conversou com a gente sobre seus projetos e os desafios de fazer Ciência no Brasil.

Como você despertou seu olhar para querer fazer Ciência?

Juliana: Quando eu era criança, gostava de subir em árvores, observar insetos e ficar em contato com a natureza. Contudo, ao longo da infância, aprendemos a ser mais contidos e nosso espírito investigativo diminui. Então eu nunca tive a vontade de ser cientista. Apesar de ser curiosa quando criança, meu sonho de infância era ser cantora! E por isso digo que a ciência me escolheu e não o contrário, jamais imaginei que ia ser algo pelo qual eu seria tão apaixonada. Quando entrei no Instituto Federal, me envolvi como voluntária em um projeto social da professora Flávia Twardowski. Era para auxiliar os agricultores familiares da minha região, o litoral Norte do Rio Grande do Sul, e escolhi esse projeto justamente porque minha família tinha ligação com a agricultura. Nós auxiliamos os agricultores com boas práticas de produção e higiene e foi nessas visitas que eu descobri o quanto de resíduo orgânico se gerava nas agroindústrias familiares. Aquela quantidade enorme de lixo me chocou muito e eu já me preocupava bastante com isso em casa, então queria fazer algo para solucionar esse problema local. Foi a minha professora que realmente me incentivou a utilizar a pesquisa como ferramenta de aprimoramento da realidade.

Você está envolvida em várias frentes de pesquisa. Explique pra gente alguns de seus projetos, como a produção de plástico biodegradável a partir da casca de maracujá e membranas biológicas pelo resíduo da noz da macadâmia.

Então, foi com esse projeto com os agricultores que eu visitei um processamento de maracujá e percebi o quanto de casca se gerava de lixo: eram pilhas e pilhas espalhadas pelos terrenos. Queria dar uma utilidade para esse resíduo, já que ele tinha tanto potencial. A casca do maracujá é conhecida por ter uma substância chamada pectina, é como se fosse uma gelatina e faz com que as soluções fiquem viscosas. Isso é muito importante no desenvolvimento de um plástico biodegradável. A motivação para produzir uma alternativa para os plásticos foi justamente a declaração de que até 2050 vai ter mais lixo do que peixes nos oceanos. Quando eu tinha boas amostras de plástico, comecei a me questionar sobre a aplicação que poderia dar ao material. E foi aí que eu me lembrei justamente das visitas aos agricultores, em que eu tinha visto mudas envolvidas por um plástico preto regular. Queria substituir esse material pelo meu plástico biodegradável e foi bem difícil até conseguir chegar em uma embalagem recipiente para mudas. O mais legal dessa aplicação é que a embalagem pode ser plantada junto com a muda, evitando que a muda seja danificada quando se retira o plástico e também evitando a geração de lixo.

Depois disso, eu continuei trabalhando com o maracujá. Dessa vez eu utilizei a casca e as sementes do maracujá e também a palha do arroz para produzir um material biossorvente. Vou explicar o que isso significa. Eu tive a ideia desse projeto em 2016, quando o desastre do Rio dos Sinos tinha completado dez anos (o maior desastre ambiental do Rio Grande do Sul). Surgiram algumas matérias recapitulando o que aconteceu em 2006 e eu descobri que efluentes industriais tinham sido um dos principais causadores. Decidi então promover uma solução pra isso também, desenvolvendo materiais mais baratos que os utilizados regularmente na indústria a partir de lixo orgânico. Esses materiais promovem o tratamento dos efluentes industriais, sendo que eu trabalhei diretamente com a remoção de corantes de efluentes têxteis. Meu projeto foi um sucesso, pois consegui deixar o efluente transparente novamente!

Já o projeto  da macadâmia surgiu a partir da demanda de uma das maiores agroexportadoras da noz aqui no Brasil, sendo que a noz está em ascensão no mercado mundial. O processamento do fruto para obter a noz que é comercializada gera um resíduo agroindustrial, a casca de noz macadâmia. Essa casca normalmente é destinada a aterros sanitários ou para a combustão e produção de energia.

A ideia de utilizar a casca da macadâmia como um alimento para microrganismos surgiu em uma situação do cotidiano. Eu estava procurando uma alternativa para o couro, visto que sou vegetariana, mas eu também não queria algo de laminado sintético, pois estraga muito rápido. Eu encontrei na internet uma jaqueta produzida por microrganismos e fiquei chocada e muito curiosa para descobrir como esses seres tão pequeninos podiam produzir algo tão grande. Então fui testar minha hipótese e consegui produzir membranas biológicas a partir do resíduo da macadâmia. Esse material produzido pelos microrganismos é muito interessante porque ele pode ser utilizado desde uma alternativa para os plásticos como também na área de medicina e saúde, por exemplo em peles artificiais.

Estamos vivendo um momento de desvalorização da pesquisa científica no Brasil e também de ataques às instituições federais. Como você acredita que deve ser a resposta a isso? Como manter sua motivação enquanto cientista? Qual a importância da ciência para nosso desenvolvimento enquanto país?

Acho que precisamos mostrar e gritar sobre a ciência de qualidade que é produzida nas instituições públicas brasileiras. Nós todos, cientistas e sociedade, precisamos lutar para que a ciência seja valorizada e receba investimentos. Tem sido muito difícil manter a motivação, infelizmente, mas meu desejo de ajudar os outros e promover soluções que possam melhorar a vida de alguém é o que me faz amar tanto a pesquisa. E sem ciência e tecnologia não existe desenvolvimento, a gente precisa de novos conhecimentos e novos produtos para o mercado que atendam às necessidades da nossa população. Espero que cada vez mais pessoas vejam isso.

Como é poder ter um asteroide com seu nome e como foi ser plateia de um prêmio Nobel?

A questão do asteroide é fenomenal, não só pelo asteroide em si mas pelo processo até chegar lá. Ele é uma homenagem por eu ter ganhado o primeiro lugar na maior feira de ciências do mundo para estudantes pré-universitários, a Intel Isef. O asteroide ser batizado é um processo demorado, leva até um ano e meio. É um programa que estabelece parcerias, nesse caso é entre a organização da Feira de Ciências e um laboratório de astronomia do MIT.

Ter acompanhado toda a semana do Nobel, apresentado minha pesquisa para estudantes suecos e laureados e ter ouvido do laureado Didier Queloz que eu era o futuro da ciência foi inspirador e emocionante. Durante o SIYSS (Stockholm International Youth Science Seminar), vivi alguns dos melhores dias da minha vida e pude estar ao lado dos maiores nomes da ciência mundial. Nada nunca vai descrever essa sensação.

Já sofreu com o machismo por ser mulher fazendo ciência?

Com certeza já. As pessoas já desacreditaram muito dos meus projetos por ser uma jovem e mulher desenvolvendo-os. Infelizmente a pesquisa universitária ainda é muito produzida por homens, é fundamental que a gente lute pra que isso mude.

Por fim, o espaço é seu, pode usá-lo para fazer um convite para que meninas e mulheres ocupem espaços e façam acontecer.

Muitas vezes a gente é desacreditada, as pessoas falam que não conseguiremos, mas temos que ignorar isso para sermos nossas próprias líderes de torcida. A gente precisa se olhar no espelho todo dia e falar que é sim um mulherão da porra, que a gente é incrível e que merece ser valorizada e que merece sim toda felicidade do mundo. Não deixe ninguém dizer o contrário. Você pode chegar muito longe, já chegou e vai chegar muito mais. Se você pode sonhar, pode sim concretizar!


Tags

Semana da Mulher, Dia da mulher, Juliana Estradioto, Mulheres na Ciência, Asteroide