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Cadastro dos Devedores de Amizade


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Cadastro dos Devedores de Amizade

E se no degelo do desespero você encontrar contigo mesmo? Jorrando icebergs do mesmo estômago que descansam sapos, centopéias e ratazanas… Gelo seco trincando copos de puro Bourbon de Cana, duma alambicagem secreta que nem Don Pablo ousaria traficar. E se nesse mesmo bucho pousasse a mais perfeita das feijoadas, quão saborosa quanto lisérgica… A ponto da onda alcalina digestiva transmutar-se num tapete mágico – flutuando beijos de língua com o passado; salivando cachaça como combustível.

Entendeu alguma coisa? Nem eu! Peripécias gastronômicas à parte: concretemos os dois pés no chão, porque a mente há de nos trair com o** saudosismo** – imputando culpa quando os amigos cobram periodicidade, onde podemos oferecer apenas intensidade. Se arrancarmos a máscara nostálgica, mostrando as cicatrizes que ganhamos e o que nos tornamos depois de tanto tempo longe… O passado vira presente, demorando década para volver ao pretérito delicioso, válido de conservar.

É amigo! Aceita a nova Lei de Milton que dói menos. Você está guardado sim no lado esquerdo do peito. Por um acaso o Escriba tem muitas camisas estilo Seu Madruga, daquelas com bolsinho na altura do mamilo. A priori o compartimento serviria a maços de cigarro. Reinventado, é ali que mora um celular em dois terços do dia, vibrando quando “vem de zap”, bem pertinho do coração.

Se nessas férias eu voltar aos ermos de Minas, e nós cruzarmos por acaso… Não vá querer formar um novo Clube da Esquina. Deixe de lado os “cê sumiu”, “vamo toma uma”, “tá me devendo uma visita”. Não te devo porra nenhuma! Quer fazer cobrança? Reclame um abraço ali mesmo e estaremos quites. Pago com um dos mais afetuosos que já recebeu. Por que minha** saudade** vira aperto de jibóia em encontros inoportunos, e esvazia depois que entrego a passagem no ônibus.

Esvazia! Pois não sou obrigado a carregar um coração pesado, que desabastecido fica flácido feito saco de velho. Nessa perda de colágeno temporal, não há como aplicar botox no peito, cabendo-lhe mais e mais nostalgia. Então prepare-se amigo, quando vier com seus “vai lá em casa”, “quantos séculos não te vejo”… Corre risco de ter as duas clavículas deslocadas. Nesse feitiço dos anos, a relação é diretamente proporcional: passam décadas e quão mais rabugento, mais sentimentais ficamos.

Belas botas de cawboy Sr. Porco; gostei também do avental. Canibalismo à parte, essa sua feijoada tá maravilhosa! Vou suspender aqui o Bourbon de Cana, preciso pilotar meu tapete mágico, até uma praia com ondas também muy nostálgicas. Mas antes vou ali, trincar as costelas daquele outro amigo.

Sobre o Escriba: Tava de férias! E esse texto num é indireta não. É tiro com mira telescópica, nos cobradores das promissórias de amizades, que não entendem sua inadimplência presencial – mas amo todos vocês (S2 coração, ok?).        


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crônica, tiago santos-vieira


Escrito por

Tiago Santos-Vieira

Escritor e jornalista; é autor dos livros Dança das Bestas, Elos do Mau Agouro e As Aventuras do Super Careca. Foi colaborador das revistas Rolling Stone, Trip/TPM e é brother da Chico Rei.