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Uma mina negra, da Baixada Fluminense, cientista em construção dizendo que a computação é para todos? Será que engaja? Será que a sociedade aceita? - Por Ana Carolina da Hora


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Uma mina negra, da Baixada Fluminense, cientista em construção dizendo que a computação é para todos? Será que engaja? Será que a sociedade aceita? - Por Ana Carolina da Hora

Negra, cientista da computação e moradora da Baixada Fluminense, Ana afirma que “computação é para todos” e hoje divide sua história com a gente em primeiríssima pessoa. Ana criou o projeto Computação da Hora para descomplicar algoritmo, programação e tecnologia. Também faz parte do PerifaConnection, uma “plataforma de disputa da narrativa sobre as periferias”.

Eu não posso começar a falar sobre a minha pessoa e meu trabalho sem citar as cinco mulheres responsáveis pelo que eu sou e estou construindo até agora, as minhas mães: minha vó, minha mãe e minhas três tias que me criaram em Duque de Caxias, Baixada Fluminense do Rio de Janeiro. Desde pequena, eu já falava sobre ser cientista e ter curiosidade pelos laboratórios que apareciam nos desenhos e filmes. Com acesso ao primeiro computador que era de uma das minhas tias, comecei a me interessar por robótica e games e aí comecei a pesquisar sobre tudo que tivesse a ver com tecnologia, lembro que minha mãe sempre comprava ou trazia livros que ela achasse que pudessem me ajudar de alguma forma. Lembro também dela, minha vó e minhas tias se juntarem para me presentearem nos aniversários e anos novos com coisas que de alguma forma me ajudassem a entender ainda mais sobre o universo da tecnologia.

Logo aos 15 anos, elas se uniram e me deram de presente os ingressos do meu primeiro evento tecnológico e de entretenimento. Na época, o encontro tinha como tema principal o audiovisual e pude conhecer a diretora de animação do Harry Potter e o criador do Call of Duty. Na época, à meia-noite comi pizza com os amigos e foi incrível. Há quem diga que os 15 anos marcam a vida de uma menina, eu fui marcada com a primeira oportunidade de conhecer mais sobre o universo da tecnologia e suas aplicações e reconheço o impacto disso na minha vida.

Hackear é um termo muitas vezes utilizado de forma muito equivocada como se fosse algo ruim, mas hackear é encontrar novas formas de solucionar os problemas sempre driblando as dificuldades colocadas. Essa habilidade não se resume somente à área de computação, ela é uma habilidade pra vida! E aí, mano, é um pulo usar isso no dia a dia. Durante esse processo de construção em ser uma cientista e, com essa utilização, surgiram cada vez mais desafios e obstáculos. Como sempre estive envolvida com a educação de alguma forma, decidi trazer essa ideia para minha vida de vez, como forma de potencializar e tentar ajudar um pouco nas soluções dos problemas que acabam surgindo. Uma das coisas que logo surgiu já na escola foi me perceber como uma das poucas alunas negras, a pouca representatividade de professores e de referências em todas as áreas de estudo também é um fato, mas focarei nas áreas de exatas.

Em meio a tantas turbulências mentais causadas por essas questões surgiu o Ogunhê, que era um diário meu. Na verdade, continua sendo um diário, mas agora aberto. Precisamos resgatar nossas histórias e nossa ancestralidade, por isso criei esse projeto com o objetivo de compartilhar cientistas do continente africano, suas histórias e a cultura em que estão inseridos, ou seja, um pouco de cada país.

Acredito que já deu pra perceber que sou muito inconformada com a sociedade em que vivemos, principalmente com a educação. Em meio a questões de representatividade também há um incômodo com a forma pela qual a educação tecnológica é feita, precisamos compartilhar cada vez mais informações e conteúdos de qualidade para preparar a sociedade como um todo para o que está acontecendo e vai acontecer com esses avanços e isso passa pela educação. O Computação da Hora é um projeto que tem o objetivo de ajudar a melhorar a comunicação e o ensino de conceitos da computação com uma linguagem acessível e materiais do nosso dia a dia. Durante a pesquisa que faço na universidade, descobri o pensamento computacional que é a principal ferramenta que utilizo na metodologia, pois esse conceito ajuda a preparar o raciocínio para criarmos soluções usando nossas habilidades mentais.

Desde 2018, além desses conteúdos que venho fazendo e outros projetos nos quais colaboro sendo uma mina negra periférica, quero ajudar a pensar e dar a mesma voz que tenho recebido nesses últimos anos. Com isso, me juntei ao PerifaConnection. Somos uma organização de jovens periféricos e queremos criar novas narrativas. Somos jovens negros de diversas áreas, conhecedores das riquezas de nossas periferias que foram criadas pela ancestralidade, nossa principal mentoria. Iniciamos com colunas em veículos como Carta Capital, Folha de São Paulo e colaboração em iniciativas que querem contribuir com a inserção de jovens negros no mercado de trabalho e na educação.

Ufa! Tentei resumir um pouco da minha realidade, de quem eu sou e de como é importante o coletivo e a curiosidade, pois às vezes pensamos estar sozinhas por conta do que a sociedade nos impõe, mas precisamos encontrar as pessoas que nos fazem felizes ou o que nos faz feliz. E eu encontro isso todo dia na minha família e sigo!


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Semana da Mulher, Dia da mulher, Ana Carolina da Hora, Computação da Hora, Computação sem Caô, PerifaConnection