Loja

Por que só em novembro?

Brasil, 2021. Quantas pessoas negras estão em seu círculo pessoal de convivência? O que essas pessoas fazem profissionalmente? Que lugar ocupam na sociedade? Por que só falamos disso em novembro?


• 6 mins de leitura
Por que só em novembro?

“A explosão não vai acontecer hoje. Ainda é muito cedo... ou tarde demais. Não venho armado de verdades decisivas. [...] Entretanto, com toda a serenidade, penso que é bom que certas coisas sejam ditas. Essas coisas, vou dizê-las, não gritá-las. Pois há muito tempo que o grito não faz mais parte de minha vida.” Pele negra, máscaras brancas, Frantz Fanon.

Brasil, 2021. Quantas pessoas negras estão em seu círculo pessoal de convivência? O que essas pessoas fazem profissionalmente? Que lugar ocupam na sociedade? Você já parou para pensar por que a presença negra só é trazida à tona em novembro?

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 54% da população brasileira se autodeclara preta ou parda, ou seja, são a maior parte em números no país. A abolição da escravatura foi decretada no Brasil há 133 anos, mas a falta de ações para a promoção da equidade e seus efeitos podem ser sentidos pelo racismo que ainda permanece até os dias de hoje.

Por isso, o Dia da Consciência Negra é uma data de luta, reflexão e resistência de um povo que é subjugado e colocado às margens desde a construção do país. Isso reflete diretamente na falta de acesso à educação, cultura e consequentemente menores oportunidades no mercado de trabalho e na sociedade como um todo. Ser negro no Brasil é uma experiência complexa, que exige o entendimento da história de construção do país para ser compreendida.

“Eu venho vivendo vários preconceitos durante toda a minha vida. Fui mãe jovem, mãe solteira e sou mulher preta. Então sentir o preconceito no âmbito profissional foi apenas mais um dos que eu tive que encarar. Isso me fez sentir uma responsabilidade de ajudar mulheres como eu a se empoderar através de seus cabelos, pois eu precisei ocupar os meus espaços com muita garra para de fato assumir quem eu sou.”

“Ser dona do meu próprio negócio é uma faca de dois gumes: é empoderador saber que eu contribuo para o mundo com a minha visão artística através dos meus acessórios, mas também é extremamente desafiador o percurso, por ser uma mulher negra. Empreender é difícil por si só, mas a carga cultural e o racismo no país fazem com que seja necessário provar nosso valor como pessoa antes de profissional repetidas vezes. Eu criei a minha marca por sentir falta de representação das minhas raízes nas peças que eu vestia e com o intuito de reciclar o lixo que é produzido pela indústria da moda. Minha arte é minha forma de expressão enquanto mulher negra. Ser dona do meu próprio negócio é o meu grito de força contra este sistema que ainda nos subjuga."

Que vozes você escuta e ressoam em você?

“Crime, futebol, música… Eu também não consegui fugir disso aí, eu sou mais um.” Negro Drama, Racionais MC's.

Você já prestou atenção nos conteúdos que você consome? No que diz respeito às representações na arte, comunicação e cultura, como as pessoas negras aparecem? Não raro, personagens negros estão majoritarimante em posições de submissão. Ritmos criados a partir de culturas negras fazem sucesso na voz de cantores brancos. De acordo com o IBGE, a taxa de homicídio de pretos ou pardos é quase três vezes maior que a de brancos.

Mas como as imagens que consumimos constroem um imaginário social sobre as posições dos negros na sociedade? A forma como esta população é retratada influencia na realidade, uma vez que, reforçando estereótipos de onde os negros se encaixam, essa forma de tratamento e visão é fortalecida. Esse movimento contribui para manter o sistema exatamente da forma como é, desde que esse povo foi escravizado.

Que oportunidades as pessoas negras encontram, mesmo em 2021, para suas vidas? Em nosso cotidiano, muitas vezes não nos damos conta do espaço de privilégio ocupado pelos brancos na sociedade. Aprender sobre questões raciais é uma responsabilidade coletiva. Neste sentido, o antirracismo na prática é fundamental: não é apenas sobre seguir pessoas negras na internet, mas sim entender a realidade vivida pela maioria da população. Você convive com negros? Que papel essas pessoas ocupam na sua vida?

“Além de negra, sou uma mulher LGBT e que veio da periferia. A partir do momento em que me coloco no papel de alguém que quer construir narrativas, esse já é um movimento revolucionário. E falo isso sem tranquilidade, porque até mesmo reconhecer  meus talentos é algo que me é negado, por ser quem sou. Com o tempo, me dei conta da importância da ocupação desse espaço para a criação de novas histórias, construídas a partir do nosso olhar. É uma responsabilidade saber que busco reconstruir a visão sobre ser negro e buscar novas narrativas que nos humanizem e contribuam positivamente na conservação da memória do nosso povo.”

“Boa parte dos meus trabalhos é focada em dar um empoderamento às pessoas negras. O hip hop é uma cultura negra de periferia, então tento propagar isso. A representação do negro é sempre ligada a escravização ou marginalidade. Tento não representar apenas a nossa luta, porque lutar todo dia cansa, mas retrato também a afetividade negra, os saberes, os potenciais, para fugir dos estereótipos. Acho que só por eu estar fazendo a arte já foge desta representação que as pessoas têm do negro. É legal mostrar que desses espaços, como favelas e comunidades, saem diversas pessoas interessantes com conteúdo artístico e intelectual para somar na sociedade como um todo.”

Como a Chico Rei pode fazer a diferença?

A Chico Rei carrega o nome de uma figura extremamente representativa para o povo negro. Embora não exista comprovação histórica de sua existência, Galanga, ou Chico Rei, é um personagem lendário presente na tradição oral mineira desde o século XVII. Galanga era rei do Congo, mas foi capturado com a família por portugueses e enviado ao Brasil para ser vendido como escravizado.

Durante o trajeto, sua mulher, a rainha Djalô, e a filha, a princesa Itulo, foram lançadas ao mar. Galanga chegou ao Rio de Janeiro em 1740 e foi rebatizado Francisco. Ele e o filho Muzinga foram levados por um Major para trabalhar na Mina da Encardideira, em Vila Rica (atual Ouro Preto). Durante muito tempo, Chico trabalhou duro e pôde comprar a própria liberdade e a de Muzinga.

Na sequência, Chico comprou a alforria de outros escravos e, com o passar do tempo, foi capaz de adquirir a Mina da Encardideira, agora mina de Francisco, o rei. Chico Rei é celebrado até hoje em festas populares que têm canto, dança, procissão e até coroação dos reis do Congo.

Por ser uma figura tão importante no folclore de Ouro Preto, Chico Rei é celebrado na cidade no mês de janeiro, já que ele costumava organizar solenidades no Dia de Reis. Aqui na Chico Rei procuramos sempre trabalhar a memória de uma história tão bonita como a de Galanga. E buscamos ser coerentes com a biografia de quem nos batizou.

Neste novembro, nós também nos questionamos o motivo de falar sobre o assunto só este mês. Nosso nome, símbolo fundamental de uma marca, representa uma figura de luta e resistência. Por isso, internamente, através de discussões com a equipe e reflexões, nos comprometemos a dar os primeiros passos para que essa representação seja honrada cada dia mais na prática.

Nosso objetivo é pavimentar os caminhos para uma sociedade, que, já sendo diversa, seja mais justa. Para isso, é fundamental fomentar que esta discussão seja presente dentro e fora da empresa, caminhando em prol de entender esta luta e fazer nossa parte nela. Desta forma, nosso compromisso é contribuir para a produção de  reflexões e mudanças práticas, que vão além de ouvir mais pessoas negras, mas também nos questionar como podemos contribuir nessas demandas através da empresa.


Tags

dia da consciência negra, consciencia negra