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5 escritoras brasileiras que revolucionaram a literatura nacional


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5 escritoras brasileiras que revolucionaram a literatura nacional

Não nos parece novidade que a modernidade, especialmente o século XX, soergueu literaturas há muito apagadas, sobretudo, obras redigidas por mulheres.

Ousamos dizer que uma das marcas distintivas da literatura brasileira moderna esteja na conquista de espaços de alguns grupos dissidentes, como também podemos observar no crescimento exponencial da literatura negra.

Não à toa, em A literatura feminina no Brasil contemporâneo, Nelly Novaes Coelho nos evidencia que as transições socioeconômicas e políticas ao que tange a consolidação do espaço das mulheres estão imbricadas às mudanças diversas que transformaram a realidade moderna.

Com um novo panorama histórico e político, verdades até pouco cristalizadas acabaram perdendo espaço, considerando-se, assim, que a literatura não poderia continuar se fazendo uma prerrogativa apenas de homens e que as produções femininas não são menores em importância e conteúdo.

Hoje, a passos curtos, a crítica da literatura nacional acaba ganhando novas roupagens. As mulheres reivindicaram o poder da pena e os julgamentos de valor acabaram perdendo a força, de modo que a qualidade de uma obra passou a dizer respeito ao que se escreve bem mais do que quem escreve.

E assim, o boom da literatura feminina do final do século XX justifica-se pela busca de uma conquista por afirmação de identidades e de retomada de seus lugares na sociedade, o que não poderia ser feito sem a quebra de padrões preestabelecidos até então.

Consoante a isso, quando somos chamados a revisitar as obras das escritoras brasileiras, sobretudo as modernas e contemporâneas, o que encontramos são questões acerca do ser mulher e quais os impactos sociais e particulares de tal status quo.

E é por isso que, no post da Chico Rei da semana, decidimos te apresentar escritoras brasileiras que revolucionaram a nossa literatura e exprimiram, em palavras, o que lhes foi obstado durante anos: o direito de ser e estar no mundo.

Hilda Hilst

Hilda Hilst é sem dúvidas uma poeta que revolucionou a caminhada da literatura brasileira. Nascida em Jaú, interior de São Paulo, em 29 de abril de 1930, Hilda de Almeida Prado Hilst foi filha única do poeta e jornalista Apolônio de Almeida Prado Hilst e de Bedecilda Vaz Cardoso.

Hilda Hilst fumando cigarro

Aos 35 anos de idade, seu pai foi internado em uma clínica de psiquiatria, após o diagnóstico de esquizofrenia. Esse fato é muito importante para a história de vida de Hilst, visto que a loucura perpassa toda a sua obra, como ela mesma considera nas entrevistas compiladas por Cristiano Diniz e como puderam perceber os leitores de Obscena senhora D.

A poeta do erotismo entrou para o meio intelectual logo após o lançamento de seu livro e homenagem a uma das maiores escritoras brasileiras de todos os tempos: Lygia Fagundes Telles, esta viria a ser a sua melhor amiga.

Quando em 1966 o seu pai morre, Hilst muda-se para o sítio da Casa do Sol, até hoje o ponto de fuga dos amantes embebecidos com os seus trabalhos. Em 2004, em uma quinta-feira, a poeta morreu no Hospital das Clínicas da Unicamp, após intervenções médicas devido a uma fratura no fêmur, deixando para nós o seu espólio estético.

O que sabemos das obras de Hilst é que são divididas em dramaturgia, lírica e prosa, as quais estão compiladas em mais de 40 títulos que concedem à escritora várias premiações, embora muito julgada pela crítica brasileira.

Mas a bem verdade é que Hilda Hilst se tornou uma escritora plástica que escapa às convenções de gênero. A sua prosa está recheada de um lirismo embriagante, cuja construção estrutural não nos deixa dúvidas de que a escritora alcançou o ponto de demência deleuziano: o pequeno grão de loucura.

Damos destaque ao seu fazer poético, no qual Hilst apropria-se do ponto de demência deleuziano não somente como aquilo que deve ser captado para dar gênese ao amor, mas o transmuta à medida em que outorga à loucura o estatuto de princípio edificante do desejo, ali onde “as noções de tempo, vida, instantes, ficam transfiguradas”, como irá dizer em Fico besta quando me entendem: entrevistas com Hilda Hilst.

Mas não pense você que a obra hilstiana é sobre a loucura propriamente dita. Talvez, sobre o desejo como consequência de ser/estar louca, uma vez que a paixão – “embriaguez da vontade” – só pode ser considerada “uma doença mesmo, uma doença total”, segundo palavras da própria poeta.

Toda a obra da bruxa da casa do sol, até mesmo os seus textos pornográficos, é o desnudar da voz feminina em um grito agudo e dolorido de erotismo, uma vez que a escritora devolve ao eu feminino a possibilidade de desejar.

Adélia Prado

Adélia Luzia Prado de Freitas é uma poeta e filósofa que se consagrou na história da literatura brasileira devido ao fazer poético de revolução e restauração das imagens do feminino.

Adélia Prado com mão na boca dando risada

Adélia Prado, como ficou conhecida por nós, nasceu de uma família simples. Filha de João do Prado Filho, um ferroviário, e Ana Clotilde Corrêa, a poeta viveu grande parte de sua vida no seio de Divinópolis em Minas Gerais, cidade onde se casou com José Assunção de Freitas e concluiu a faculdade de Filosofia ao lado do esposo.

A obra do poeta ganha maior expressividade e reconhecimento público após Carlos Drummond de Andrade sugerir a publicação de seus poemas, ao considerá-los fenomenais. Não tardaria muito para o seu primeiro livro – Bagagem – ser lançado, contando com a presença de grandes nomes da literatura, inclusive Clarice Lispector.

Mas poderíamos nos perguntar, o que a obra de Adélia Prado traz de tão emblemático que faz dela um grande expoente da literatura nacional? Simples, a produção literária de Prado é marcada pela simplicidade com toques de uma reflexão profunda do ser mulher neste mundo.

Quando expressa o lugar mesmo da mulher no mundo o faz em um movimento bilateral de transgressão:

“Quando nasci um anjo esbelto,

desses que tocam trombeta, anunciou:

vai carregar bandeira.

Cargo muito pesado pra mulher,

esta espécie ainda envergonhada [...]”.

E de resignação:

“Há mulheres que dizem:

Meu marido, se quiser pescar, pesque,

mas que limpe os peixes.

Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,

ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar [...]”.

É digno de menção, ainda, que poucos foram os escritores que conseguiram expressar a realidade de forma filosófica e se fazer entender de forma clara, como Prado.

Devemos dizer que Adélia Prado é a poeta do espanto de Gullar, na medida em que consegue se espantar com as obviedades da existência e transmutá-las para uma realidade poética de facetas múltiplas. Dirá ela ao captar um instante em seu poema Momento:

“Enquanto eu fiquei alegre,

permaneceram um bule azul com um descascado no bico,

uma garrafa de pimenta pelo meio,

um latido e um céu limpidíssimo

com recém-feitas estrelas [...]”.

Clarice Lispector

Talvez tudo que discorreremos agora sobre Clarice Lispector seja muito pouco perto do que a escritora brasileira, nascida na Ucrânia, significou para a nossa literatura brasiliense.

Clarice Lispector sentada posando para foto

O ponto inegável é que Clarice Lispector é sem dúvida a maior escritora brasileira do século XX.

Filha de judeus fugidos da Rússia devido à perseguição aos judeus no período da Segunda Guerra Mundial, Clarice Lispector chegou ao Brasil muito nova com a família. Perdeu a mãe cedo, mais precisamente aos 8 anos, estabilizando-se no Rio de Janeiro com o seu pai quando completara 14 anos de idade, onde se consagraria a maior escritora brasileira da modernidade.

Lispector publicou o seu primeiro livro – Perto do coração selvagem – com apenas 24 anos, mas ganhou maior reconhecimento com a publicação de A hora da estrela. Devido a um câncer no ovário, a autora nos deixou com 57 anos, com um acervo literário diverso, compondo-se de prosa, lírica, novelas, crônicas, contos e até textos infantis.

O interessante das obras de Clarice Lispector é a capacidade em comunicar o cotidiano de forma epifânica. Embora os seus personagens sejam comuns, possuem certa profundidade expressa em reflexões existenciais complexas sobre o meio que os rodeiam. Nada é tudo e tudo é nada sob a pena de Clarice Lispector.

Aliás, o renovo da arte literária da escritora também se dá mediante o seu uso da metalinguagem. Obras, como Água viva, narram a vida a partir da consideração das sutilezas da própria palavra:

“Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa palavra não morde a isca, alguma coisa se escreve. Uma vez que se pescou a entrelinha, podia-se com alívio jogar a palavra fora”.

Entre o eu e o outro, Lispector cria uma abismo que pode ser transposto apenas pelos limites da comunicação simbólica, convergindo, assim, com a fórmula da demanda lacaniana: “eu te peço que recuses o que te ofereço, porque não é isso”. E, assim, a escritora recria a realidade em tons de uma experiência quase que de todo psicológica.

Lygia Fagundes Telles

A dama da literatura brasileira não poderia deixar de adentrar a nossa lista de escritoras brasileiras. Lygia Fagundes Telles é reconhecidamente uma escritora de grande destaque do modernismo.

Lygia Fagundes Telles com queixo apoiado em mão

A escritora nasceu em São Paulo, onde passou grande parte de sua vida. Com a faculdade de direito, teve acesso a grandes figuras da literatura brasileira, como Oswald de Andrade e Mário de Andrade, e, embora tivesse grande reconhecimento pelas suas obras literárias, Telles levou em paralelo a carreira de procuradora do Instituto de Previdência, o qual levou a cabo até se aposentar.

Seu primeiro livro, Contos Porão e Sobrado, foi muito bem recebido pela crítica brasileira. Mas podemos considerar que os anos de luz de Telles foram aqueles da década de 70, nos quais conseguiu reconhecimento internacional e ganhou diversos prêmios, inclusive, o seu livro As meninas conquistou o prêmio Jabuti.

Em 85, ganhou uma cadeira na Academia Paulista de Letras, lugar merecidíssimo dada a sua grande importância dentro da literatura nacional. Sem sombra de dúvidas, Lygia Fagundes Telles é reconhecida pelos seus contos de temáticas universais, como: a morte, a loucura e o amor.

Como as demais autoras de nossa lista, Lygia traz uma revolução opulenta e emblemática quanto à expressão moderna do feminino, visto que resgata a mulher do apagamento histórico, quase que inefável.

Além disso, não podemos deixar de considerar as polêmicas temáticas hauridas nos textos da escritora, levando em conta que questões de drogas e adultério são constantemente levantadas de forma ácida, mas espontânea.

Seus personagens são solapados por fluxos de consciência e abraçam o cotidiano da vida em monólogos interiores de alta reflexão existencial e moral. Não seria exagero dizer que os personagens de Telles desnudam-se em vulnerabilidades e se escancaram em sujeitos compostos e plásticos, como notamos em Venha ver o pôr do sol.

Conceição Evaristo

Maria da Conceição Evaristo de Brito nasceu em Belo Horizonte, tendo por gênese uma família muito pobre, formada por mais 9 irmãos. Necessitando trabalhar desde cedo, Evaristo teve que equilibrar o trabalho de empregada doméstica e os estudos, aliás, a escritora foi a primeira de sua família a se formar na universidade em Literatura Comparada.

Conceição Evaristo sentada apoiando mão em rosto

Conceição Evaristo é mestre em literatura brasileira, o que faz dela um forte expoente enquanto literata. Sua primeira obra remonta à década de 90 com os Cadernos Negros, mas foi seu romance Ponciá Vicêncio colocado a alvo de estudos literários em 2007.

Os temas de sua obra giram em torno de questões sociorraciais e de gênero, revolucionando e abrindo os espaços da literatura nacional para a voz da mulher negra.

Representando e se fazendo referência para um grupo extremamente marginalizado socialmente, Conceição Evaristo recria a bagagem histórica da realidade da mulher negra brasileira em um país racista, outorgando a ela voz, vez, lugar e, sobretudo, existência.

As palavras de Conceição Evaristo são gritos de resistência em meio a uma retaliação racial, são buscas de reparação histórica àquelas e aqueles que tiveram a vida ceifada pelo racismo estrutural, são formas legítimas com tinta de sangue de gritar em tom audível a voz negra, que ecoou: “lamentos de uma infância perdida // obediência aos brancos-donos de tudo // revolta no fundo das cozinhas alheias”, que ecoa: “versos perplexos com rimas de sangue e fome” e que ecoará: “a ressonância o eco da vida-liberdade”.

Nosso post chegou ao fim. E aí, gostou da nossa publicação de hoje? Conte-nos aí nos comentários: quais dessas escritoras brasileiras você é fã e quais você não conhecia, mas já estão pautadas para a sua próxima aquisição?

Se achou que faltou alguma escritora de destaque (o que provavelmente faltou, porque escritoras brilhantes é o que não faltam), comente também, quem sabe não voltamos com um post 2.0.

Até mais!


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