E aí branquelo!?! É tu mesmo, com esse tom de pele tão desbotado quanto quem vos escreve. Assim como eu, foste pouco agraciado com a melanina, substituída pelo talquinho das regalias no bumbum. Implicando no óbvio: não tomaste, logo no parto, um chute no traseiro de 500 anos de segregação. O que não desabona seu quadrilátero preto no Instagram. Nem o meu; também cravei um lá. Mas que tal o branquelo daí, e o branquelo daqui evadirem a geometria das redes sociais, buscando algum formato para desinstitucionalizar o preconceito?
Não sei o que é! Com uma dose única do veneno, desmantelado emocionalmente como sou... Meu psicólogo abriria uma tecelagem para tamanho pé de meia, quantas vezes precisaria visitá-lo. Não saberia lidar com algo assim diuturnamente, da placenta à sepultura. E sinto-me impotente de no máximo poder deletar alguém das redes sociais, que posta memes escrotos, do tipo: preto - “você nunca vai entender o que é ser julgado pela cor”; branco - “acabei de entender”.
Gostaria de fazer algo mais! Coisas maiores do que simplesmente parar de ouvir Pantera. Senti-me cônjuge traído, fui o último a saber. Explico: tive uma bela adolescência 90’s, cercado pelo grunge de um lado e o britpop do outro. Fugindo desse binômio, descontando toda fúria juvenil no violão, descobri os riffs de Dimebag Darrell (Pantera). Achava linda a sua guitarra estrelada, levando nas tintas a bandeira dos Confederados norte-americanos. Era modinha na época, feito o instrumento que Noel Gallagher (Oasis) ostentava, com a flâmula da Grã-Bretanha.
Nos preparatórios para o vestibular, aprofundei-me sobre a Guerra de Secessão, que partiu os Estados Unidos em dois. Sendo a bandeira estrelada no instrumento de Dimebag a dos Sulistas – flanco da batalha que chafurdava os dois pés na lama escravocrata. “Coincidentemente”, a parte Sul é até hoje a mais segregadora dos EUA. Na adolescência, as pulgas já pinicavam minhas orelhas sobre a simbologia de tal bandeira. Mas numa amálgama de hormônios e desinformação, “passei um pano” para afugentá-las.
Nos idos dos anos 90, não tínhamos uma cadeia facebookiana de informação. Não dava para saber em tempo real se Phil Anselmo, vocalista do Pantera, realmente fazia discurso supremacista branco nos shows. Quando nos chegavam as notícias, séculos depois do ocorrido, vinham com o carimbo “isso é intriga da mídia”. Na época da ineficiente internet discada, com os fatos sendo filtrados apenas pela TV e revistas especializadas, não existia a fidedignidade de um vídeo de celular, tornando um fato inconteste bem antes da matéria ser escrita.
Todo esse rodeio foi para explicar minha desinformação nos 90, e meu mundo ter caído recentemente. Porque só agora, quando resolvi ressuscitar o Pantera, é que tive acesso a um verdadeiro dossiê virtual sobre o passado nojento da banda. E não me venha com essa história de que é preciso separar a obra do artista. Que o finado Dimebag não puxe meu pé: mas não dá mais pra ouvir essa MERDA, né!?!
Então, evocando Bela Gil: você pode substituir o Pantera pelos filmes-denúncia de Spike Lee. No último, o semidocumentário “Da 5 Bloods”, descobri que 32% da tropa estadunidense no Vietnã era composta por afro-americanos – grupo que correspondia a apenas 11% da população total dos EUA. O que, numa matemática simples, nos levaria a um quadro de limpeza étnica? Ou de paz para a aristocracia política branca? Já que parte da militância preta, que tomava as ruas à época, foi enviada pra morrer na guerra.
Queria fazer algo mais! Mesmo tendo consciência de que a carência de melanina endossa meus privilégios. Não sou digno de me enrolar nessa bandeira, que diferente das outras acima citadas, tem a cor certa. Contudo, assanho-me a segurar na pontinha do estandarte e dizer que: Pantera pra mim agora... Só Panteras Negras!
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Sobre o autor: nascido na mitológica Caratinga (MG), Tiago Santos-Vieira fez voto de pobreza ao optar pelo Jornalismo (UFJF). Da miséria, passou à escravidão voluntária, trabalhando com periódicos em São Paulo (chegando a morar em um MOTEL). Foi um lapso temporal produtivo, com publicações nas revistas Rolling Stone, Trip/TPM, Riders e no Diário de Guarulhos. Fechado esse ciclo, voltou à Terra do Nunca, vulgo Caratinga, passando uma temporada trancafiado num quarto escuro. Quando viu a luz, fora aprovado em um concurso público e estava grávido de um livro. Foi então morar em Brasília, onde, após sanguinolenta gestação, pariu o suspense Elos do Mau Agouro. Torna agora a Minas, publicando o infantil As Aventuras do Super Careca e o suspense Dança das Bestas.