Loja

LeBronzilla

Passadas as eleições brasileiras e norte-americanas de 2020, o escritor Tiago Santos-Vieira traz reflexões sobre a diferença que uma figura do tamanho de LeBron James pode fazer quando transcende as quadras.


• 4 mins de leitura
LeBronzilla

Se vivos e twittando... Malcolm X, Luther King e Maya Angelou engrossariam o coro de LeBron James contra o cara de peito de frango e perucas. Num tô nem aí em ser politicamente incorreto ao apelidar Trump. Porque eis o que ele foi na sua gestão: politicamente incorreto! Inclusive judicializando a passagem do bastão ao sucessor Biden - para quem não assimilo tamanha celebrização, já que a essência do presidente norte-americano é: mandar jovens para guerra e recebê-los posteriormente sem duas pernas, um braço e com uma medalha de herói na lapela. Se é para notabilizar alguém nas eleições ianques, celebremos LeBron James.

Envergadura para tal LeBron tem. São 2,06 metros de puro engajamento e dedos ágeis nas redes sociais, convocando a população hispano e afro-americana a votar na confusa e desobrigatória eleição dos EUA. As agitações promovidas por James, usando a bolha da NBA como plataforma de visibilidade, repercutiram em percentuais para derrubar Trump. Nesta tocante, e somente nesta, LeBron é maior que Michael Jordan. Antes que me cancelem, já vou explicando.

Eram os anos 90, auge da Dinastia Bulls. Então, o homem que sozinho reinventou a NBA e catapultou a Nike, seu principal patrocinador, ao status que tem hoje... Foi convidado ao palanque de Harvey Grantt - candidato a senador cuja bandeira era a militância preta. Michael Jordan não abraçou a causa, deixando a entender que “atrapalharia nos negócios”, permanecendo isento de opinião por toda década. Contudo, o que esquecem antes de rechaçar Jordan, é o turbilhão emocional que vivia na época: o assassinato do pai e a sua combustão midiática pelo vício em jogos e apostas.

E quem somos nós para apontar dedos à escusa de consciência de Jordan: estadunidense preto, que transformou seu destino no país mais racista do mundo, alçando-se ad aeternum como semideus do basquete? Eu, branco, com plena consciência dos meus privilégios, nunca julgaria as escolhas de Jordan. Porém, assim como o mensageiro do caos Rômulo Mendonça, também não me controlo em aplausos a “Papai LeBron”: megafone humano na derrubada de Trump. Mas acaba por aí, tá!? Faltam dois anéis de campeão a LeBron (17 temporadas na NBA e ainda na ativa), para triscar no calcanhar de Jordan (com 15 temporadas, dois retornos de aposentadoria e seis anéis). Pronto, falei!

Mas, e se... Evadindo a artifícios de ficção científica, o que o polêmico LeBron do passado diria ao do futuro, quando questionado sobre as manchas de sangue e petróleo na “cruzada norte-americana contra o terror”? E o que o LeBron de hoje diria ao seu clone jovem, sobre os permanentes subterfúgios norte-americanos a Israel no esfogueteamento do mundo árabe? Nunca me recuperei disso, talvez a maior barbárie a qual já assisti, porém sabes que: para cada vídeo de cabeças cortadas que vem à tona, um míssil com potencial para matar/mutilar mil pessoas cai por aí. E ao ler no cantinho dos destroços da ogiva, certamente estará grafado: MADE IN USA.

Olha, não quero nem saber o que os dois LeBrons teriam a dizer sobre isso. Desmancharia a admiração que por eles nutro. Mas o fato é que, levantar a bandeira da militância preta - e ser um dos responsáveis pela queda do líder mais racista e xenofóbico da atualidade - obrigou LeBron a fazer uma escolha: abraçar o outro polo do pleito. Biden parece boa praça e tem o apoio de Obama, amigo pessoal de LeBron. Mesmo assim o misturaria nas farinhas do mesmo saco, junto a Trump e, pasmem: Obama. Afinal de contas, os três são/foram presidentes dos Estados Unidos. Líderes que fomentam a cultura da guerra como valor familiar. Disseminando a substituição do remorso pelo orgulho, quando os pais recebem seus filhos de volta da batalha - trazendo na mochila doenças paranoicas pós-combate e uma perna mecânica.

Então, latino-americano sem dinheiro no banco... Se preocupe com as suas eleições! Porque a única coisa a se louvar na queda de Trump é o arco-reflexo mental nas nossas Presidências de 2022: “realmente num dá pra ter esses tipos de maluco no poder, né. Não vamos repetir a burrada”. Esteja ciente também de que Biden, simplesmente por ser o próximo presidente dos EUA, é planta carnívora em vez de flor que se cheire. E fique mais alerta ainda ao fato de que o trumpismo continua, mesmo que a peruca tenha caído. Assim como a palhaçada continua por aqui, ainda que o palhaço-mor tenha tomado um tombo ao abrir as urnas municipais. E... pra fechar: Michael Jordan é melhor que Lebron James! Agora sim, pode me cancelar.

--

Sobre o autor: nascido na mitológica Caratinga (MG), Tiago Santos-Vieira fez voto de pobreza ao optar pelo Jornalismo (UFJF). Da miséria, passou à escravidão voluntária, trabalhando com periódicos em São Paulo (chegando a morar em um MOTEL). Foi um lapso temporal produtivo, com publicações nas revistas Rolling Stone, Trip/TPM, Riders e no Diário de Guarulhos. Fechado esse ciclo, voltou à Terra do Nunca, vulgo Caratinga, passando uma temporada trancafiado num quarto escuro. Quando viu a luz, fora aprovado em um concurso público e estava grávido de um livro. Foi então morar em Brasília, onde, após sanguinolenta gestação, pariu o suspense Elos do Mau Agouro. Torna agora a Minas, publicando o infantil As Aventuras do Super Careca e o suspense Dança das Bestas. Siga o Autor: @santosvieiratiago


Tags

tiago santos-vieira, cronica, lebron james, politica, eleições


Escrito por

Tiago Santos-Vieira

Escritor e jornalista; é autor dos livros Dança das Bestas, Elos do Mau Agouro e As Aventuras do Super Careca. Foi colaborador das revistas Rolling Stone, Trip/TPM e é brother da Chico Rei.