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Elena Grande

Tem nova crônica do escritor Tiago Santos-Vieira para a Chico Rei! Chega mais pra ler Elena Grande :)


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Elena Grande

Pode acusar aquele que não se deve nomear de tudo. Menos de que foi omisso. Ele escolheu sim uma estratégia de enfrentamento pandêmico e foi exemplar em sua defesa. Apostando na imunidade de rebanho em detrimento da vacina, criou mitologias sob um símbolo: a tal droga lá terminada em “ina”, que não é a cocaína, e que te foderia tanto quanto uma overdose desta. Usou também a máquina pública para desacreditar a ciência, gerando comoção dentre apoiadores e nunca deixando de exaltar a figura do líder. Nota 10 em Semiótica, na Escola de Propaganda Joseph Goebbels, feita em ruínas na queda do Terceiro Reich.

Dá logo um Oscar pra esse atorzão da porra. Fingindo-se de burro, ignorante e de todos os adjetivos daquela crônica do Ruy Castro que a Mariliz se apropriou... O comediante empurrou-lhe um projeto de poder tão fundo goela abaixo que tu só percebeu dois anos depois - quando o calendário de vacinação, emoldurado num quadro, mostrou-se cronologicamente falho. Agora, só nos resta fazer Mario Quintana dar triplos mortais carpados no túmulo, citando-o estarrecidos: “A esperança é um urubu pintado de verde”.

E aí classe média de sangue azul!? Dólar a seis conto! Um dólar num litro de gasolina. Dá nem pra encher o tanque do carro, rumar ao aeroporto e fugir pra Disney. Até porque não se aceita brasileiro em lugar nenhum mais, né?! Talvez te asilem na Tanzânia, onde o mandatário é mais negacionista que o nosso. Ou melhor, era. Foi para outro plano, atacado por uma “doença cardíaca”, e não pela “falácia” de um vírus que assola o resto do mundo.

Caraio, dólar a seis conto! Mas a culpa num era da Dama de Vermelho? Vamos então riscar rapsódias econômicas, provando que Tatau do Ara Ketu encarnou Nostradamus nos 90/2000. Depois do Mun Rá do Maranhão, do Caçador de Marajás e do Topete da Manchester Mineira... Tu surfou na paridade real/dólar, que deu-lhe um puta poder de compra, numa atmosfera de inflação controlada. Dois mandatos depois, veio a onda de democratização do acesso: a tudo que os desprivilegiados foram ceifados historicamente.

Linda a paridade! Injetaram dólares na economia, aumentando de forma necessária, porém não natural, as suas quantidades em circulação. Subiu-se a oferta do dólar, derrubaram o preço para atrair a clientela e o real foi se pareando em valor - inclusive freando uma inflação acachapante. Contudo, o desmanche desse mecanismo teve um timing controverso. Segurou-se por muito tempo a paridade R$/US$, talvez de forma errônea, zerando nossas reservas com a injeção cambial. E a bomba-relógio gerada por isso? Foi empurrada na cara dura para a gestão subsequente.

Linda também a onda democratizante! Quem vos escreve é eternamente grato por, um belo dia, ao voltar da escola, ter topado com um kit linha branca completo na cozinha de casa. “Nunca antes na história desse país” o escriba vira micro-ondas, fogão e geladeira novinhos num mesmo espaço. E o melhor de tudo: no seu espaço; o da classe média baixa que enfim começava a sonhar. Mas, continuando sobre Tatau do Ara Ketu... A democratização do acesso teve um altíssimo custo, duplicado pela vista grossa ao ajuste fiscal, arreganhando o rombo herdado da gestão anterior. E como é politicamente de praxe, o presente de grego foi entregue ao mandatário(a) subsequente.

Foi aí que a banana de dinamite caiu no colo da Dama de Vermelho, que bateu na mesa e tentou mexer na economia, segurando o dólar e a gasolina abaixo dos quatro reais. É quando Tatau volta à crônica de voadora, porque com os outros governos tu ficou: “Mal acostumado, você me deixouuu, mal acostumado...”. Então, nos bastidores, acusaram-na de má gestora, bruta, truculenta, de “ser difícil de lidar”. Ou foi porque “ela agiu como um homem deveria se portar em tal posição, não caindo bem para uma mulher”. Essas últimas palavras não são minhas, foram surrupiadas no tempo/espaço: de balõezinhos brotados das cabeças machistas que a assessoravam na época - e que por oportuno puxaram-lhe o tapete, escarafunchando a legislação para pedir sua cabeça.

No mais... Tu bateu panela até conduzi-la à degola, numa sabatina em pé por horas no Congresso-picadeiro, sem verter uma lágrima em tal espetáculo misógino - ainda que certo pandego evocasse o seu torturador. Foi esse mesmo circo que startou a campanha do comediante que hoje ri da sua cara. Feito piada, “ele não” compareceu aos debates pré-eleição, corroborando a tese de que “ela sempre foi mais mulher do que ele é homem”. Agora é Machado de Assis quem cambalhoteia na cova.

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Sobre o autor: nascido na mitológica Caratinga (MG), Tiago Santos-Vieira fez voto de pobreza ao optar pelo Jornalismo (UFJF). Da miséria, passou à escravidão voluntária, trabalhando com periódicos em São Paulo (chegando a morar em um MOTEL). Foi um rasgo temporal produtivo, com publicações nas revistas Rolling Stone, Trip/TPM, Riders e no Diário de Guarulhos. Fechado esse ciclo, voltou à Terra do Nunca, vulgo Caratinga, passando uma temporada trancafiado num quarto escuro. Quando viu a luz, fora aprovado em um concurso público e estava grávido de um livro. Foi então morar em Brasília, onde, após sanguinolenta gestação, pariu o suspense Elos do Mau Agouro. Torna agora a Minas, publicando o infantil As Aventuras do Super Careca e o suspense Dança das Bestas. Siga o Autor: @santosvieiratiago


Tags

tiago santos-vieira, crônica, politica, pandemia


Escrito por

Tiago Santos-Vieira

Escritor e jornalista; é autor dos livros Dança das Bestas, Elos do Mau Agouro e As Aventuras do Super Careca. Foi colaborador das revistas Rolling Stone, Trip/TPM e é brother da Chico Rei.